A VIDA ENTRE
EDIFÍCIOS
Jan Gehl
“Imaginativo, belo e esclarecedor”, escreveu Jane Jacobs sobre o agora clássico livro Life Between Buildings, de 1987, ainda inédito em português. Ao argumentar pela importância da diversidade de atividades na dinâmica das cidades, Jan Gehl estrutura um pensamento urbano que supera a segregação modernista e oferece vida às ruas.
Um dia comum numa rua comum. Pedestres passam nas calçadas, crianças brincam perto das portas de casa, pessoas sentam em bancos e degraus, o carteiro entrega a correspondência, dois conhecidos, ao se cruzarem, se cumprimentam no passeio, dois mecânicos consertam um carro, grupos participam de conversas. Essa variedade de atividades ao ar livre é influenciada por uma série de condições. O ambiente físico, construído, é um fator: ele influencia as atividades em graus variados e de muitas maneiras diferentes.
De forma muito simplificada, atividades ao ar livre em espaços públicos podem ser divididas em três categorias, que impõem ao ambiente físico exigências diferentes: atividades necessárias, atividades opcionais e atividades sociais.
As atividades necessárias abrangem aquelas que são mais ou menos obrigatórias – ir à escola ou ao trabalho, fazer compras, esperar por um ônibus ou uma pessoa, resolver tarefas, entregar a correspondência –, em outras palavras, todas as atividades em que os envolvidos são, em maior ou menor grau, obrigados a participar.
Em geral, as tarefas diárias e passatempos pertencem a esse grupo. Entre outras atividades, ele inclui a grande maioria das que estão relacionadas ao caminhar.
Como as atividades desse grupo são necessárias, sua incidência é apenas ligeiramente influenciada por estruturas físicas. Essas atividades são realizadas ao longo do ano todo, sob quase quaisquer condições, e são mais ou menos independentes do ambiente exterior. Os participantes não têm escolha.
As atividades opcionais – as atividades das quais se participa somente se houver o desejo de fazê-lo e se o tempo e o lugar as tornam possíveis – são outra questão.
Essa categoria inclui atividades como fazer uma caminhada para respirar um pouco de ar fresco, ficar por aí aproveitando a vida, sentar-se para tomar um banho de sol.
Quando as áreas ao ar livre são de má qualidade, apenas as atividades estritamente necessárias ocorrem.
Quando as áreas ao ar livre são de boa qualidade, as atividades necessárias continuam ocorrendo com mais ou menos a mesma frequência – apesar de claramente se prolongarem por mais tempo em condições físicas melhores. Além disso, no entanto, uma ampla gama de atividades opcionais também vai ocorrer se o lugar e a situação agora forem convidativos para que as pessoas parem, se sentem, comam, brinquem e assim por diante. Em ruas e espaços da cidade de má qualidade, apenas o mínimo de atividades ocorre. As pessoas correm para casa.
Num bom ambiente, um amplo espectro de atividades humanas é possível.
As atividades sociais são todas as atividades que dependem da presença de outras pessoas em espaços públicos. As atividades sociais incluem brincadeiras de crianças, encontros e conversas, atividades coletivas de vários tipos e, finalmente – a atividade social mais difundida –, o contato passivo, isto é, simplesmente ver e ouvir outras pessoas.
Diferentes tipos de atividades sociais ocorrem em muitos lugares: em moradias; em espaços privados ao ar livre, jardins e varandas; em edifícios públicos; em locais de trabalho e assim por diante. Neste contexto, no entanto, apenas as atividades que ocorrem em espaços de acesso público serão examinadas.
Essas atividades também poderiam ser chamadas de atividades “resultantes”, pois em quase todos os casos elas evoluem de atividades ligadas às outras duas categorias. Elas se desenvolvem em conexão com outras atividades, simplesmente porque as pessoas estão num mesmo espaço, se encontram, passam umas pelas outras ou estão à vista.
As atividades sociais ocorrem espontaneamente, como uma consequência direta da presença de pessoas nos mesmos espaços. Isso implica que as atividades sociais são indiretamente impulsionadas sempre que às atividades necessárias e opcionais são dadas melhores condições nos espaços públicos.
O carácter das atividades sociais varia, dependendo do contexto em que elas ocorrem. Nas ruas residenciais, perto de escolas ou de locais de trabalho – onde há um número considerável de pessoas com interesses ou origens comuns -, as atividades sociais que ocorrem nos espaços públicos podem ser bastante abrangentes: cumprimentos, conversas, discussões e brincadeiras surgem porque as pessoas compartilham interesses e porque as pessoas “conhecem” umas às outras, talvez pela simples razão de se verem com frequência.
Nos centros urbanos, atividades sociais costumam ser mais superficiais. A maioria dos contatos é passiva – ver e ouvir pessoas desconhecidas. Mas mesmo essa atividade limitada pode ser muito agradável.
Numa interpretação bem livre, uma atividade social ocorre toda vez que duas pessoas estão juntas no mesmo espaço. Ver e ouvir uns aos outros, encontrar-se, é em si uma forma de contato, uma atividade social. Um simples encontro pode ser a semente para outras formas mais abrangentes de atividade social.
Isso é importante no que diz respeito ao planejamento físico. Embora a estrutura física não tenha uma influência direta sobre a qualidade, o conteúdo e a intensidade dos contatos sociais, arquitetos e planejadores podem afetar nossas possibilidades de encontrar, ver e ouvir pessoas – possibilidades que têm suas vantagens em si só e que, além disso, podem tornar-se importantes como pano de fundo e ponto de partida para outras formas de contato.
A presença de outras pessoas, atividades, eventos, inspirações e estímulos está entre as qualidades mais importantes dos espaços públicos.
A vida entre os edifícios e a necessidade de contato
É difícil apontar com precisão o que a vida entre edifícios significa no que diz respeito à necessidade de contato.
Oportunidades para encontros e atividades diárias nos espaços públicos de uma cidade ou área residencial permitem que estejamos entre pessoas, que possamos ver e ouvir os outros, a fim de vivenciar modos de vida diferentes manifestando-se em várias situações.
Esses contatos modestos do “ver e ouvir” devem ser considerados em sua relação com outras formas de contato e como uma parte de toda a gama de atividades sociais, que vai desde contatos muito simples e sem compromisso até conexões complexas, com envolvimento emocional.
O conceito de graus variáveis de intensidade de contato é a base do seguinte esboço simplificado sobre várias formas de convívio:
No que diz respeito a esse esboço, a vida entre edifícios está ligada sobretudo aos contatos de baixa intensidade, localizados na parte inferior da escala. Em comparação com as outras formas de contato, esses contatos podem parecer insignificantes, mas eles são preciosos tanto como formas de contato em si, quanto como pré-requisitos para outras interações mais complexas.
A simples possibilidade de encontrar, ver e ouvir os outros pode gerar oportunidades como:
• contatos simples, em um nível modesto;
• um possível ponto de partida para contatos em outros níveis;
• uma chance de manter contatos já estabelecidos;
• uma fonte de informações sobre o mundo social lá fora;
• uma fonte de inspiração, de experiências estimulantes.
As possibilidades relacionadas às formas de contato de baixa intensidade que nos são oferecidas em espaços públicos talvez possam ser mais bem descritas pela situação que existe quando elas estão faltando.
Se faltam atividades entre os edifícios, o extremo inferior da escala de contatos desaparece. As variadas formas de transição entre estar sozinho e estar junto desaparecem. Os limites entre isolamento e contato tornam-se mais nítidos – as pessoas estão sozinhas ou estão com os outros num outro patamar de exigência.
A vida entre edifícios oferece a oportunidade de estar com os outros de uma forma descontraída e pouco exigente. Pode-se fazer caminhadas ocasionais, talvez desviar ao longo de uma rua principal no caminho de casa ou parar e sentar num banco convidativo para estar entre outras pessoas por um tempinho. Pode-se fazer longas viagens de ônibus todos os dias, como é hábito de muitas pessoas aposentadas nas grandes cidades. Ou pode-se fazer compras diariamente, mesmo que seja mais prático fazê-las uma vez por semana. Até mesmo olhar pela janela uma vez ou outra – quando se tem a sorte de ter algo para olhar – pode ser gratificante. Estar entre outros, ver e ouvir os outros, receber estímulos dos outros, são experiências positivas, alternativas a estar sozinho. Nesses casos, não precisamos estar necessariamente com uma pessoa específica, mas podemos, no entanto, estar com outras pessoas.
Ao contrário da experiência de ser um observador passivo de outros na televisão ou em filmes, nos espaços públicos o indivíduo está presente, participando de forma modesta, mas definitivamente participando.
Contatos de baixa intensidade são também situações a partir das quais outras formas de contato podem se desenvolver. Trata-se de um meio para chegar ao imprevisível, o espontâneo, o não-planejado.
Essas oportunidades podem ser ilustradas se observarmos como as brincadeiras entre crianças começam.
Pode haver situações pré-organizadas. Brincadeiras pré-formatadas ocorrem em festas de aniversário e grupos de brincadeiras nas escolas. Geralmente, no entanto, o jogo não é pré-arranjado. Ele evolui quando as crianças estão juntas, quando elas veem outras crianças brincando, quando sentem vontade de brincar e saem para brincar sem ter certeza de que haverá de fato alguma brincadeira. O primeiro pré-requisito é estar num mesmo espaço. Encontrar-se.
Contatos que se desenvolvem espontaneamente, em consequência do simples fato de alguém estar onde há outras pessoas, são geralmente muito fugazes – uma breve troca de palavras, uma breve discussão com o homem sentado ao seu lado no banco, uma conversa com uma criança num ônibus, observar alguém trabalhando e fazer algumas perguntas e assim por diante. A partir desse nível simples, os contatos podem crescer para outros patamares, de acordo com o que os participantes desejarem. Encontrar-se, estar presente no mesmo espaço, é, em todas essas circunstâncias, o pré-requisito primordial.
A possibilidade de conhecer vizinhos e colegas de trabalho, muitas vezes ligados às idas e vindas diárias, implica uma oportunidade valiosa de estabelecer e, mais tarde, manter uma rede de conhecidos de forma descontraída e pouco exigente.
Eventos sociais podem evoluir espontaneamente. Nós permitimos que certas situações se desenvolvam. Visitas e encontros podem ser organizados com pouca antecedência, de acordo com nosso humor. É fácil “aparecer”, ou “dar uma passada” ou combinar alguma coisa para amanhã, quando os participantes passam pela porta de casa um do outro com frequência ou passam um pelo outro na rua e se encontram em atividades diárias ao redor de casa, do local de trabalho e assim por diante.
Encontros frequentes ligados a atividades diárias aumentam as chances de desenvolvermos contatos com os vizinhos, um fato que já foi observado em muitas pesquisas. Com encontros frequentes, as amizades e as redes de contatos são mantidas de maneira muito mais simples e menos rígida do que quando precisamos usar o telefone e fazer convites. Quando esse é o caso, muitas vezes é bastante difícil manter o contato, pois se exige muito mais dos participantes quando os encontros devem ser organizados com antecedência.
É por essa razão que quase todas as crianças e uma proporção considerável de pessoas de outras faixas etárias mantêm um contato mais próximo e mais frequente com os amigos e conhecidos que vivem ou trabalham perto deles – é a maneira mais simples de estar em contato.
A oportunidade de ver e ouvir outras pessoas numa cidade ou área residencial implica também uma oferta valiosa de informações, sobre o entorno social em geral ou, em particular, sobre as pessoas com as quais se convive ou se trabalha.
Isso é particularmente relevante no que diz respeito ao desenvolvimento social de crianças, que é amplamente baseado na observação do ambiente social em seu entorno. Mas todos nós precisamos estar atualizados sobre o mundo ao nosso redor para funcionarmos num contexto social.
Através dos meios de comunicação de massa, somos informados sobre os eventos maiores e mais sensacionais, do mundo, mas é convivendo com os outros que aprendemos sobre detalhes mais comuns, mas igualmente importantes. Descobrimos como outras pessoas trabalham, se comportam e se vestem, e aprendemos sobre as pessoas com quem trabalhamos, vivemos e assim por diante. Através de todas essas informações podemos estabelecer uma relação de confiança com o mundo que nos rodeia. Uma pessoa que encontramos muitas vezes na rua se torna uma pessoa que “conhecemos”.
Além de transmitir informações sobre o mundo social de fora, a oportunidade de ver e ouvir outras pessoas também pode fornecer ideias e inspiração para agirmos.
Ficamos inspirados ao ver os outros em ação. As crianças, por exemplo, veem outras crianças brincando e têm vontade de participar, ou acabam encontrando ideias para novos jogos, observando outras crianças ou adultos.
A tendência – de cidades e áreas residenciais vivas a cidades e áreas residenciais sem vida –, que tem acompanhado a industrialização, a segregação das várias funções da cidade e a dependência do automóvel, tornou a experiência urbana mais maçante e monótona. Isso aponta para uma outra necessidade importante, a saber, a necessidade de estímulos.
O contato com outras pessoas é uma forma particularmente alegre e cativante de estímulo. Comparado com o contato com edifícios e outros objetos inanimados, o contato com as pessoas, que falam e se movem, oferece uma riqueza de variações sensíveis. Nenhum momento é como o anterior ou o seguinte quando pessoas circulam entre pessoas. O número de novas situações e novos estímulos é ilimitado. Estamos falando do assunto mais importante na vida: as pessoas.
Cidades vivas, aquelas em que as pessoas podem interagir umas com as outras, são sempre estimulantes, porque elas são ricas em experiências, em contraste com cidades sem vida, que não podem evitar serem pobres em experiências e, consequentemente, sem graça, independentemente de quantas cores e variações de forma sejam inventadas para os edifícios.
Se priorizarmos a vida entre os edifícios através do planejamento sensato de cidades e de áreas habitacionais, muitas tentativas caras e muitas vezes artificiais e forçadas de tornar edifícios “interessantes” e ricos usando efeitos arquitetônicos dramáticos podem ser poupadas.
A vida entre os edifícios é mais relevante e mais interessante para contemplarmos a longo prazo do que qualquer combinação de concreto colorido e formas deslumbrantes de construção.
O valor das pequenas e grandes possibilidades ligadas à oportunidade de estar no mesmo espaço que outras pessoas e de ver e ouvi-las é sublinhado por uma série de observações que investigam a reação das pessoas à presença de outras pessoas em espaços públicos.
Onde quer que haja pessoas – nos edifícios, nos bairros, nos centros urbanos, em áreas de lazer e assim por diante -, é geralmente verdade que elas e suas atividades atraem outras pessoas. Pessoas atraem pessoas. Elas se reúnem, circulam e procuram estar perto de outras pessoas. Novas atividades começam na proximidade de eventos que já estão em andamento.
Em casa, podemos ver que as crianças preferem estar onde há adultos ou onde há outras crianças, em vez de, por exemplo, onde há apenas brinquedos. Em áreas residenciais e em espaços da cidade, comportamentos semelhantes entre os adultos podem ser observados. Se puderem escolher entre caminhar por uma rua deserta ou uma rua movimentada, grande parte das pessoas, na maioria das situações, vai escolher a rua movimentada. Se a escolha é entre sentar num quintal privado ou num jardim de frente compartilhado, com vista para a rua, as pessoas, muitas vezes, vão escolher a frente da casa, onde há mais para ver.
Uma série de pesquisas ilustra com mais detalhes o interesse em estar em contato com os outros. Investigações sobre os hábitos de jogo de crianças em áreas residenciais mostram que as crianças ficam e brincam principalmente onde alguma atividade está acontecendo ou nos locais onde há chances maiores de algo acontecer.
Tanto em áreas com moradias unifamiliares quanto nos arredores de prédios de apartamentos, as crianças tendem a brincar mais nas ruas, em áreas de estacionamento e perto das entradas das habitações do que nas áreas de lazer destinadas a esse fim, mas localizadas nos quintais das casas ou no lado ensolarado de edifícios altos, onde não há tráfego nem pessoas para olhar.
Tendências parecidas podem ser observadas no que diz respeito ao lugar onde as pessoas escolhem sentar-se nos espaços públicos. Bancos que oferecem uma boa visão de atividades ao redor são mais usados do que bancos com menos ou nenhuma visão dos outros.
Uma pesquisa no Tivoli Garden, em Copenhague, realizada pelo arquiteto John Lyle, mostra que os bancos mais utilizados são aqueles ao longo do trajeto principal do jardim, onde há uma boa vista para as áreas particularmente agitadas, enquanto os bancos menos utilizados são encontrados nas zonas tranquilas do parque. Em vários lugares, bancos são dispostos costas com costas, de modo que um dos bancos fica virado para um local de passagem, enquanto o outro “vira-lhe as costas.” Nesses casos, os mais utilizados são sempre os bancos virados para a passagem de pessoas.
Resultados similares foram obtidos em pesquisas em várias praças no centro de Copenhague. Bancos com vista para as rotas de pedestres mais trafegadas são usados mais, enquanto bancos voltados para as áreas de jardim das praças são usados com menor frequência.
Em cafés de rua, também, a vida na calçada costuma ser a principal atração. Quase sem exceção, cadeiras em cafés no mundo todo são orientadas para a área mais viva nas proximidades. Calçadas são, afinal, o motivo da existência dos cafés de rua.
A oportunidade de ver, ouvir e conhecer outras pessoas também é estudada como uma das atrações mais importantes nos centros das cidades e em ruas fechadas para pedestres. Isso é ilustrado por uma pesquisa realizada em Strøget, a principal rua de pedestres no centro de Copenhague, por um grupo de estudos da Escola de Arquitetura da Academia Real Dinamarquesa de Belas Artes. A análise foi baseada numa investigação sobre onde os pedestres param na rua peatonal e o que eles param para olhar.
Os menores números de paradas foram observados na frente de bancos, escritórios e mostras que expunham produtos maçantes como, por exemplo, caixas registadoras, mobiliário de escritório, porcelana ou modeladores de cabelo. Por outro lado, um grande número de paradas foi observado na frente de lojas e exposições que tinham uma relação direta com as pessoas e com o meio social ao seu redor, como quiosques de jornais, exposições de fotografia, cartazes de filmes nas portas dos cinemas, lojas de roupas e lojas de brinquedos. Ainda mais interesse foi mostrado pelas várias atividades humanas que se desenrolavam no próprio espaço da rua. Todas as formas de atividade humana pareciam ser de grande interesse nesse sentido.
Observou-se um interesse considerável por acontecimentos comuns e cotidianos que se desdobram na rua – crianças brincando, noivos a caminho de uma sessão de fotos ou simplesmente pessoas passando –, bem como por ocorrências mais incomuns – o artista com seu cavalete, o músico de rua com sua guitarra, pintores de rua em ação e outros tantos eventos, grandes ou pequenos.
Ficou evidente que as atividades humanas e a possibilidade de ver outras pessoas em ação constituem a principal atração da área. Os pintores de rua reuniam grandes públicos enquanto seu trabalho estava em andamento, mas, assim que deixavam o local, pedestres pisoteavam as pinturas sem hesitação. O mesmo acontecia com a música. Músicas tocando na rua de alto-falantes instalados na frente de lojas de discos não provocavam nenhuma reação, mas, assim que músicos começavam a tocar ou cantar ao vivo, havia demonstrações instantâneas de vivo interesse.
A atenção prestada às pessoas e às atividades humanas também pode ser ilustrada por observações relativas à expansão de uma loja de departamento na área. Enquanto as escavações e a construção das fundações estavam em andamento, era possível ver o canteiro de obras através de duas portas voltadas para a rua de pedestres. Durante todo esse período, mais pessoas pararam para observar os trabalhos em andamento no local da reforma do que na frente das quinze vitrines da loja de departamento juntas.
Nesse caso, também, os trabalhadores e seu trabalho – e não o local de construção em si – eram os objetos de interesse. Isso ficou ainda mais claro durante os intervalos de almoço e depois do expediente – quando não havia trabalhadores no local, praticamente ninguém parava para olhar.
Um resumo de observações e pesquisas mostraria que as pessoas e as atividades humanas são o principal objeto de atenção e interesse nos espaços públicos. Mesmo a forma mais modesta de contato, simplesmente ver e ouvir ou estar próximo aos outros, é, aparentemente, mais gratificante e mais desejável do que a maioria das outras atrações oferecidas nos espaços públicos de cidades e áreas residenciais.
A vida nos edifícios e entre os edifícios parece em quase todas as situações mais essencial e mais relevante do que qualquer espaço ou do que os próprios edifícios.
Jan Gehl
Sócio fundador da Gehl Architects, atua em diversos projetos que reorientam as cidades para as pessoas. O texto publicado corresponde aos dois primeiros capítulos de Life between buildings, publicado pela Island Press em 1987.
Como citar
GEHL, Jan. A vida entre edifícios. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, n. 7, p. 14-21, jan. 2015.
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