ARQUITETURA
DO LUGAR
Alexandre Delijaicov
Para começo de conversa, o argumento do CEU está ligado a uma arquitetura que chamamos de arquitetura da cidade. Melhor dizendo, a arquitetura dos espaços de propriedade pública da cidade. Não só os espaços de uso público e coletivo (que podem ser de propriedade privada e de uso coletivo), mas os empreendimentos públicos.
Podemos definir três frentes: na primeira frente, estão os sistemas de redes integradas de infraestruturas urbanas e infraestruturas territoriais. Na segunda frente, os sistemas de redes de equipamentos públicos municipais, isto é, os equipamentos que amparam o cidadão desde as primeiras semanas de vida até a construção do seu caráter filosófico e de seu ser político. Essa formação permite que o cidadão seja um agente transformador do seu próprio lugar, já que a arquitetura que nos interessa é a arquitetura do lugar, a construção de nosso endereço. Tais equipamentos (do berçário à pós-graduação, o centro comunitário, a casa de cultura) vão construir a constelação de redes, que formam um mosaico dos espaços constituintes da cidade. A terceira frente é um espaço presente em tudo: a habitação produzida pelo poder público municipal, vinculada à(s) rede(s) de infraestruturas.
No Rio de Janeiro, surgem alguns intelectuais, como o Anísio Teixeira, um grande educador, e o Afonso Eduardo Reidy, arquiteto pouco lembrado que foi sempre um servidor público que projetava a partir do tripé fundamental – a arquitetura de infraestruturas urbanas, a arquitetura de equipamentos públicos e a arquitetura da habitação social, integradas.
No Brasil, a promulgação dos direitos humanos em 1948 foi um momento muito importante. Anísio Teixeira e um grupo de jovens arquitetos, que trabalhavam ou estavam muito ligados às ideias desenvolvidas no Rio de Janeiro, vieram para São Paulo, junto com Hélio Duarte, para implantar o conceito de redes: a rede de escolas públicas municipais. Em 1948, montou-se, por meio de uma equipe (Comissão Executiva do Convênio Escolar), um convênio entre o Estado e o Município de São Paulo para que fossem projetadas e construídas 50 escolas-parque. As escolas-parque e escolas-praça seriam projetadas nos bairros da periferia daquela época, os bairros operários. No projeto pedagógico de Anísio Teixeira, a criança ficaria o dia todo na escola e a proposta da sua formação incluía sociologia, filosofia, arte-educação. Então, as escolas seriam transformadas num museu do lugar, o que valorizaria a geografia física e também a humana.
Cada escola teria um caráter de casa de cultura. Cada aluno e cada professor teria esse estímulo para ser um produtor cultural e educativo. A arquitetura do edifício estaria ligada à arte pública. A construção fazia parte de uma constelação de artes públicas na rede, desenhada na geografia da cidade. Nessas cinquenta escolas de 1948, não só deveria haver um museu, mas também a escultura da praça, feita pelos alunos e professores, todos artistas. Elas deveriam ser visitadas pelos moradores desse cinturão periférico. A escola-parque era um pólo de rede e, gravitando nesse campo, estariam as escolas-classe. As distâncias compatíveis entre os equipamentos eram as do percurso dentro desse campo (400 ou 600 m).
Paulo Freire, que falou sobre a cidade educadora, foi um grande educador, como Anísio Teixeira. Trabalhou com Anísio e com um grande intelectual brasileiro, Darcy Ribeiro, autor de O povo brasileiro e de A universidade necessária. Tornou-se secretário da educação em 1989, ocasião em que foi organizado o escritório público municipal (EDIF), onde surgiu a ideia do edifício público como estruturador do desenho da cidade. Assim, fomos diagramando e redescobrindo nossa história.
Começamos, intuitivamente, construindo o projeto da Vila Mara. Queríamos dar uma lógica, coordenar os projetos, que chegavam segundo a demanda, através de uma coordenação de gestão pedagógica. Mais do que isso, queríamos uma configuração arquitetônica que criasse unidade ou diálogo entre os blocos. Fizemos alguns ensaios na época do Paulo Freire e da prefeita Luiza Erundina: a Vila Mara, constituída por três conjuntos habitacionais – o Conjunto Habitacional Garagem, o Conjunto Habitacional Sítio do Jaraquá (onde ensaiamos duas praças de equipamentos) e depois o Conjunto Habitacional Inácio Monteiro, que deu origem ao programa CEU. A partir do escritório público de projetos, nossa ideia era valorizar uma política de Estado, e não um projeto de governo, pois visávamos a continuidade, e não a ruptura a cada nova gestão.
A Constituição de 1988 é um ponto primordial para ilustrar essa vontade de estruturar o território. Segundo o texto constitucional, algumas cidades (como São Paulo) deveriam ser divididas em subprefeituras. Até então, existiam nas cidades as administrações regionais e os distritos. Começamos a imaginar que as administrações regionais que seriam transformadas em subprefeituras deveriam ter uma arquitetura simbólica através da construção de uma arquitetura do lugar, um paço municipal. A praça dessa subprefeitura seria uma grande plenária – como um ponto de encontro com equipamentos para a vizinhança –, onde a população discutiria. Os outros distritos teriam as praças de equipamentos, que não abrigariam a sede administrativa, mas o teatro municipal, a biblioteca pública, as piscinas públicas e assim por diante.
Teríamos uma média de 3 praças de equipamento por subprefeitura, aproximadamente 93 equipamentos na cidade de São Paulo, 93 endereços com outros equipamentos num raio de 2 km, configurando a visão de rede. Desenhar os espaços de ligação desses equipamentos valoriza os percursos. Esse trabalho conecta os prédios pelo vazio, identifica e dá dignidade para cada esquina.
Reconhece-se uma base conceitual, que, anterior à execução desses projetos, é de extrema importância para o entendimento da natureza e do alcance da intervenção: os CEUs, que apresentam a maturidade e o passo mais recente dentro de uma longa história de interação entre arquitetos e educadores. Desenvolveu-se uma metodologia para a localização dos equipamentos, definindo-os, simultaneamente, como unidades locais de importância ao bairro e como uma ampla rede social organizada na escala metropolitana. Essa prática ilustra o pensamento de um urbanismo em rede, aplicado a São Paulo.
Alexandre Delijaicov
Arquiteto do EDIF – Departamento de Edificações da Secretaria de Infraestrutura Urbana e Obras da Prefeitura de São Paulo e professor da FAU-USP.
Como citar
DELIJAICOV, Alexandre. Arquitetura do lugar. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, n. 3, p. 30-31, jul. 2011.