BICICLETA
IRRESISTÍVEL
Texto de John Pucher e Ralph Buehler
Amsterdam Traffic, fotografias de Hans van der Meer
Há quem pense que o número de ciclistas na Europa sempre foi alto, mas na década de 1950 o crescimento vertiginoso dos automóveis tomou as cidades e jogou as bicicletas para escanteio. Em 40 anos, políticas públicas em cidades da Alemanha, Dinamarca e Holanda reverteram essa situação e fizeram da bicicleta um meio hegemônico de circulação.
Para leitores de muitos países, o título deste artigo pode soar tão impossível como absurdo. Na verdade, a maioria dos britânicos e dos americanos, por exemplo, deve achar o ciclismo um tanto quanto resistível, uma vez que eles fazem apenas cerca de 1% de suas viagens de bicicleta. No Brasil, a bicicleta é o meio de transporte de 3,22% das pessoas que vivem nas capitais e de 8,45% das pessoas nas demais cidades. Na maioria dos países, as condições para andar de bicicleta não são nada seguras, práticas e atraentes. Em grande parte do mundo industrializado, a bicicleta é um meio de transporte marginal, ocasionalmente usado para fins recreativos, mas raramente usado para necessidades práticas de deslocamento cotidiano. Além disso, a distribuição social do ciclismo tende a ser muito desigual. Homens jovens o praticam com mais frequência, enquanto mulheres pedalam bem menos e idosos dificilmente pedalam. O fato de que existem países ricos e tecnologicamente avançados que conseguiram transformar o ciclismo num meio de transporte dominante – numa maneira perfeitamente normal de se locomover pelas cidades – pode surpreender os leitores mais céticos. Na Holanda, na Alemanha e na Dinamarca, as taxas de ciclismo são pelo menos dez vezes mais elevadas que no Reino Unido e nos Estados Unidos. As mulheres holandesas, alemãs e dinamarquesas pedalam tanto quanto os homens, e as taxas de ciclismo diminuem apenas ligeiramente com a idade. Além disso, nesses países, o ciclismo é distribuído igualmente entre todos os grupos econômicos.
Em tais países do norte europeu, o ciclismo não é visto como uma atividade que requer equipamentos caros, treinamento avançado ou elevado grau de preparo físico. Os ciclistas também não são obrigados a reunir coragem e disposição para enfrentar motoristas em ruas sem ciclovias nem precisam de pistas exclusivas para bicicleta. Ao contrário, ciclistas holandeses, alemães e dinamarqueses pedalam em bicicletas simples e baratas, quase nunca utilizam roupas especiais para ciclismo e raramente usam capacete de segurança. Até indivíduos tímidos, preocupados com a segurança e avessos ao risco podem ser encontrados pedalando, diferentemente dos muitos milhões de cidadãos em todo o mundo, que se apavoram com a simples ideia de subir numa bicicleta.
Mas o ciclismo nem sempre foi próspero na Holanda, na Alemanha e na Dinamarca. As taxas de ciclismo despencaram nos três países entre 1950 e 1975. Foi apenas a partir de uma reviravolta nas políticas de transporte e de planejamento urbano, em meados de 1970, que o ciclismo renasceu e atingiu o atual estado de sucesso.
História, cultura, topografia e clima são fatores importantes, mas eles não necessariamente determinam o futuro do ciclismo. As políticas governamentais – em relação a transporte, desenvolvimento urbano, moradia, meio ambiente, recolhimento de impostos e estacionamento − são, no mínimo, tão importantes quanto os fatores geográficos.
Ao invés de estimular cada vez mais a circulação de veículos motores através da expansão de estradas e estacionamentos, as cidades holandesas, alemãs e dinamarquesas privilegiaram o atendimento aos moradores, fato que torna essas cidades mais amigáveis às pessoas do que aos carros e, portanto, mais habitáveis.
Existem ótimas razões para se encorajar o uso da bicicleta. Ela praticamente não produz ruídos ou poluição atmosférica e consome bem menos recursos não renováveis do que qualquer meio de transporte motorizado. A única energia de que o ciclismo necessita é fornecida diretamente pelo condutor, e o próprio gasto de energia proporciona exercícios cardiovasculares valiosos. O ciclismo exige apenas uma pequena fração do espaço que é necessário para o uso e o estacionamento de carros. Além do mais, andar de bicicleta é econômico, custando bem menos que andar em carros particulares ou em transportes públicos, tanto no que se refere a custos diretos para o proprietário do carro quanto no que se refere a custos públicos com infraestrutura. A bicicleta é um dos meios de transporte mais democráticos, pois é acessível a quase todos.
Alguns leitores devem presumir que o número de pessoas que andam de bicicleta na Europa sempre foi alto. Na verdade, como foi dito, as taxas de ciclismo caíram drasticamente durante os anos 1950 e 1960, quando as cidades se expandiram e as vendas de carros aumentaram. Durante um período de 25 anos, cidades da Holanda, da Dinamarca e da Alemanha estiveram empenhadas em se preparar para o aumento do uso do carro por meio de uma vasta expansão da malha rodoviária e da oferta de estacionamentos. Ao mesmo tempo, ignoraram os interesses dos pedestres e dos ciclistas.
Em meados dos anos 1970, as políticas de transporte e de uso do solo nos três países mudaram radicalmente: passaram a privilegiar ciclistas, pedestres e transporte público, em detrimento de carros particulares. A reforma política foi uma reação aos nocivos impactos ambientais, energéticos e de segurança decorrentes do aumento do número de carros. Muitas cidades melhoraram sua infraestrutura para o ciclismo e, ao mesmo tempo, impuseram restrições ao uso do automóvel que o tornaram mais caro. As mudanças políticas levaram a uma reviravolta no uso da bicicleta capaz de alterar o quadro então vigente. A retomada do crescimento do ciclismo após 1975 não foi suficiente para compensar a enorme redução no uso de bicicletas que se dera entre 1950 e 1975, mas, ainda assim, foi uma conquista significativa, que provou o poderoso impacto das políticas públicas sobre o comportamento dos condutores. Essa retomada é especialmente impressionante se levarmos em conta o fato de que, ao longo das últimas três décadas, a renda per capita desses países continuou crescendo, bem como a aquisição de automóveis e o desenvolvimento das regiões periféricas.
Muitas políticas e programas são necessários para tornar o ciclismo seguro e viável para uma grande parcela da população. O mérito de tornar o ciclismo um meio de transporte tão atraente deve ser atribuído à implementação conjunta de todas essas medidas, de maneira a reforçar o impacto de cada uma delas na promoção do uso da bicicleta. Esta talvez seja a principal lição a ser aprendida: a necessidade de uma atuação conjunta, multifacetada. A discussão a seguir serve principalmente para apresentar alguns exemplos representativos do que as cidades holandesas, alemãs e dinamarquesas têm feito para aumentar o uso da bicicleta e a segurança do ciclista.
Ciclovias
Especialmente entre meados dos anos 1970 e 1990, a existência de recursos exclusivos para o ciclismo – como pistas para bicicletas e ciclovias – aumentou enormemente em todos os três países. Na Alemanha, a extensão da malha de ciclovias mais que dobrou, passando de 12.911 km, em 1976, para 31.236 km, em 1996. Na Holanda, a rede cicloviária dobrou de comprimento, aumentando de 9.282 km, em 1978, para 18.948, em 1996. Estatísticas nacionais totais relativas ao período de meados de 1990 em diante não estão disponíveis, mas os dados individuais das cidades sugerem uma expansão contínua, embora num ritmo mais lento que anteriormente. O foco principal agora parece ser o aprimoramento do projeto específico das pistas e trilhas de ciclismo, de modo a garantir a segurança.
Em 2004, por exemplo, Berlim (3,4 milhões de habitantes) tinha 860 km de pistas completamente individualizadas para bicicletas, 60 km de ciclovias nas ruas, 50 km em calçadas, 100 km de pistas de uso conjunto para pedestres e ciclistas e 70 km de pistas combinadas para ônibus e bicicletas nas ruas. Amsterdã (735 mil habitantes) e Copenhague (504 mil habitantes) possuem cada uma aproximadamente 400 km de pistas completamente exclusivas para bicicletas. Até cidades muito menores possuem extensas instalações para ciclistas. Por exemplo, existem 320 km de ciclovias em Münster, na Alemanha (278 mil habitantes), mais de 500 km em Odense, na Dinamarca (185 mil habitantes), e mais de 420 km em Groningen, na Holanda (181 mil habitantes).
A rede cicloviária nessas cidades inclui muitos atalhos que passam fora das ruas. Eles conectam essa rede às faixas de travessia entre os quarteirões e ligam ciclovias; e assim permitem que os ciclistas façam a rota mais curta possível entre sua origem e seu destino. O resultado de uma gama tão ampla de recursos é um sistema de rotas de ciclismo completo e integrado, que possibilita aos ciclistas fazer praticamente qualquer trajeto em pistas completamente individualizadas ou em ruas residenciais menos utilizadas, com pouco tráfego.
A rede de infraestrutura exclusiva para circulação de bicicletas não só se expandiu enormemente desde a década de 1970, como também passou por contínuas transformações. Houve aprimoramentos no design, na qualidade e na manutenção das pistas, com o objetivo de garantir um ciclismo mais seguro, acessível e atrativo com o passar dos anos. Além disso, muitas cidades na Holanda, na Alemanha e na Dinamarca criaram um sistema integrado de sinais de trânsito para ciclistas, com diferentes códigos de cores para cada tipo de rota. Esse sistema de sinalização frequentemente se estende para regiões, estados e até países inteiros, no caso das rotas de longa distância.
A maioria dessas cidades oferece mapas com detalhes de todos os recursos da rede cicloviária. Recentemente, em algumas delas foi introduzida a possibilidade de os ciclistas planejarem a rota por meio da Internet a fim de auxiliá-los a escolher o caminho que melhor atende a suas necessidades. Em Berlim e em Odense, por exemplo, os ciclistas podem informar sua origem e seu destino, bem como uma variedade de preferências pessoais, como velocidade, disponibilidade de instalações na rua ou fora da rua – e assim evitam cruzamentos, tráfego pesado etc. O programa de Internet mostra a melhor rota num mapa e oferece informações com relação ao tempo estimado, média de velocidade, disponibilidade de estacionamento e possibilidades de conexão com meios de transporte públicos. É possível fazer esse planejamento da rota durante o próprio trajeto por meio do visor LCD de um celular.
A construção de pistas exclusivas para bicicletas é, sem dúvida, a pedra angular das políticas holandesas, dinamarquesas e alemãs para tornar o ciclismo mais seguro e atrativo. As pistas são construídas para tornar o transporte mais seguro, confortável e acessível a jovens e idosos, homens e mulheres e também a pessoas com diferentes graus de habilidade para pedalar. Pistas exclusivas para bicicletas não são suficientes, mas certamente são necessárias para tornar o ciclismo acessível a uma ampla parcela da população.
Redução do tráfego
É impossível e desnecessário construir pistas exclusivas para ciclismo em ruas residenciais pouco movimentadas, mas essas ruas constituem uma parte importante da totalidade da malha cicloviária. Assim, cidades holandesas, dinamarquesas e alemãs reduziram o tráfego na maior parte das ruas de bairros residenciais, diminuíram o limite máximo da velocidade permitida para 30 km/h e, frequentemente, proibiram qualquer tipo de trânsito não local por essas ruas. Além disso, muitas cidades − especialmente na Holanda − introduziram alterações consideráveis nas próprias ruas, como estreitamentos de pista, interseções, cruzamentos, rotatórias, curvas, rotas em zigue-zague, quebra-molas e até becos sem saída artificiais, criados a partir do fechamento de ruas no meio do quarteirão. Quase sempre, é permitido andar de bicicleta em ambas as direções em todas as ruas onde foi feita a redução de tráfego, ainda que essas ruas sejam de mão única para a passagem de carros. Essa prerrogativa aumenta ainda mais a flexibilidade para se locomover de bicicleta.
O método mais avançado para se reduzir o tráfego − a woonerf, em holandês, ou “zona residencial” − impõe ainda mais restrições, ao obrigar carros a transitarem na velocidade dos pedestres. Pedestres, ciclistas e crianças brincando têm tanto direito de utilizar ruas residenciais quanto automóveis. Na verdade, os carros são obrigados a dar preferência para viajantes não motorizados.
Na Holanda, na Alemanha e na Dinamarca, a redução do tráfego é geralmente feita em regiões inteiras, e não apenas em ruas isoladas. Isso garante que o tráfego nessas áreas seja deslocado para vias arteriais – criadas para receber um maior volume de automóveis – e que não passe simplesmente de uma rua residencial para outra.
Além das zonas de redução de tráfego, quase todas as cidades criaram, nas regiões centrais, as chamadas “zonas sem-carro”, que privilegiam principalmente a circulação de pedestres, mas geralmente também permitem ciclistas em horários de pico. Em algumas cidades holandesas, essas “zonas sem-carro” incluem infraestrutura para ciclismo, como pistas para bicicletas e estacionamentos. A combinação entre as estratégias de redução de tráfego em ruas residenciais e a proibição da circulação de automóveis nos centros urbanos tornou praticamente impossível a travessia de carros pelos centros urbanos. Para chegar ao outro lado da cidade, os carros precisam tomar várias rotas circunferenciais, fato que atenuou os problemas de congestionamento, poluição e segurança que poderiam causar nos grandes centros.
Outra estratégia de redução do tráfego é a chamada “rua para bicicletas”, que tem sido cada vez mais adotada em cidades holandesas e alemãs. São ruas estreitas onde os ciclistas possuem absoluta prioridade em toda a extensão da via. Em ruas normais, os ciclistas normalmente são obrigados a ficar o mais próximo possível do acostamento para não interferir no trânsito de veículos motores. Nas “ruas para bicicletas”, no entanto, os ciclistas podem ir aonde desejarem, ainda que isso possa obstruir a passagem de algum carro. Os carros também são autorizados a se deslocarem por essas ruas, mas com velocidade limitada a 30 km/h (ou menos), e os motoristas devem dar preferência absoluta para ciclistas, com o máximo cuidado para não os colocar em risco. Em Münster, por exemplo, já existiam doze “ruas para bicicletas” em 2007. Elas fizeram tanto sucesso que a cidade planeja adotar mais ruas desse tipo nos próximos anos.
Bairros residenciais com tráfego reduzido, “zonas sem-carro” nos centros das cidades e ruas especiais para bicicletas proporcionam um ciclismo muito mais seguro e menos estressante do que em ruas cheias de automóveis em alta velocidade. Como a maioria dos deslocamentos de bicicleta começa em casa, a redução do tráfego nos bairros é crucial para permitir que as viagens se iniciem num ambiente seguro e agradável até que o ciclista atinja pistas exclusivas para bicicletas, nas quais possivelmente permanecerá pelo resto do trajeto.
Os dados empíricos disponíveis mostram que a redução do tráfego melhora a segurança no trânsito como um todo. Os benefícios tendem a ser maiores para pedestres, mas há uma redução drástica dos acidentes com ciclistas. Além disso, a maioria dos estudos atesta um aumento geral do número de ciclistas e pedestres. É claro que existem diferentes estratégias de redução de tráfego. É possível que uma ou outra medida de redução (talvez a presença de rotatórias e quebra-molas) possa prejudicar a segurança dos ciclistas em algumas circunstâncias. No entanto, de maneira geral, são esmagadoras as evidências de que a redução do tráfego, por meio da diminuição das velocidades permitidas para carros em ruas secundárias, aumenta a segurança tanto de ciclistas quanto de pedestres.
Modificações nos cruzamentos
Se as ciclovias protegem os ciclistas, evitando que eles se exponham a riscos entre um cruzamento e outro, podem, no entanto, oferecer riscos no momento de se atravessar esses cruzamentos. Assim, urbanistas holandeses, alemães e dinamarqueses trabalham continuamente no aperfeiçoamento do desenho dos cruzamentos, com o objetivo de tornar mais fácil e segura a travessia de ciclistas. É claro que a extensão e a especificidade dos projetos de modificação dos cruzamentos variam de cidade para cidade, mas, em geral, incluem muitos dos seguintes itens:
• ciclovias especiais que levam até o cruzamento, com faixas de parada obrigatória para ciclistas situadas muito à frente das faixas de parada para carros;
• sinal verde antecipado para ciclistas e tempo extra nos sinais verdes nos cruzamentos com maior volume de ciclistas;
• restrições para virar para carros e nenhuma restrição para virar para ciclistas;
• faixas de travessia para bicicletas mais visíveis e de cor chamativa nos cruzamentos;
• semáforos especiais acionados por ciclistas;
• semáforos sincronizados para proporcionar uma “onda verde” para os ciclistas – e não para os carros –, que devem estar a uma velocidade média de 14 a 22 km/h, dependendo da via;
• inserção de canteiros e postes na rodovia, com a intenção de afunilar o raio da curva dos carros e, assim, forçá-los a reduzir quando forem virar à direita; e
• realinhamento de ciclovias, de forma a torná-las mais distantes de suas ruas paralelas nas proximidades de um cruzamento, com o objetivo de evitar colisões com carros que fazem conversões à direita.
Em razão da própria natureza dos cruzamentos em rodovias, é praticamente impossível evitar conflitos entre automóveis e bicicletas, mas os urbanistas holandeses, alemães e dinamarqueses têm feito um trabalho magnífico de minimização de riscos.
Estacionamento para bicicletas
A maioria das cidades holandesas, alemãs e dinamarquesas possui diferentes tipos de estacionamentos para bicicletas. Os próprios governos locais e sistemas de transporte público oferecem um grande número de instalações para estacionamento de bicicletas. Além do mais, construtoras privadas e proprietários de edifícios são obrigados, por decretos locais, a oferecer quantidades mínimas de vagas para estacionamento de bicicletas tanto no interior quanto em áreas adjacentes a suas construções.
Além do grande número de bicicletários nessas cidades, o mais notório e inovador aspecto da política de estacionamento de bicicletas é a existência de infraestrutura de estacionamento em estações de trem. Exatamente ao lado da principal estação ferroviária de Münster, por exemplo, existe uma moderna e atraente “estação de bicicletas” (construída em 1999), que oferece estacionamento seguro e coberto para 3.300 bicicletas, além de venda de produtos, conserto, lavagem e serviços de ciclismo para turistas. A estação tem acesso direto a todas as plataformas de trem. Amsterdã, Groningen e Odense oferecem serviços de estacionamento semelhantes em suas principais estações de trem. Além disso, praticamente todas as estações de trem em regiões metropolitanas da Holanda, da Alemanha e da Dinamarca disponibilizam algum tipo de estacionamento para bicicletas. Na região de Berlim, em 2012, havia 26.600 vagas para bicicletas nos estacionamentos das estações de trem (incluindo metrôs, linhas que levam a regiões metropolitanas e linhas regionais).
Muitas cidades também oferecem instalações especiais para estacionamento de bicicletas nas regiões mais centrais. A cidade de Odense, por exemplo, instalou recentemente 400 bicicletários próximos à sua principal zona comercial, assim como um parque de estacionamento moderno, automático e seguro. O centro de Groningen possui 36 grandes instalações para estacionamento de bicicletas, sete das quais são vigiadas, para evitar furtos. Amsterdã possui 15 estacionamentos protegidos na área comercial do centro da cidade. Em 2007, Münster adicionou um estacionamento coberto e seguro para 290 bicicletas, ao lado de sua principal zona comercial. A cidade de Copenhague instalou 3.300 vagas para bicicletas no centro da cidade, para facilitar a realização de compras e passeios.
O estacionamento desregrado de bicicletas no espaço público pode obstruir a circulação de pedestres nas calçadas, além de ser considerado por muitos como um tipo de poluição visual. Assim, a oferta de estacionamento está sendo expandida não apenas para melhorar a comodidade do ciclista, mas também para ajudar a lidar com a desordem causada pelo estacionamento aleatório de bicicletas na cidade. De maneira semelhante ao que ocorre em muitos lugares com o estacionamento de carros, parece nunca haver vagas o suficiente para bicicletas. Apesar da existência do enorme estacionamento na principal estação de trem de Münster, por exemplo, ainda existem mais de dez mil bicicletas que ficam paradas em calçadas, praças e becos − a maior parte delas fora de bicicletários.
Integração com transporte público
A maioria das cidades holandesas, alemãs e dinamarquesas conseguiu integrar o ciclismo à rede pública de transportes. Companhias de transporte público e urbanistas do norte da Europa têm reconhecido cada vez mais o papel fundamental desempenhado pelo ciclismo como um serviço que alimenta e distribui o transporte público. Assim, estacionamentos de bicicleta em estações de trem no centro das cidades têm sido abundantemente oferecidos, bem como em estações periféricas ao longo da rede ferroviária. A maioria dos sistemas ferroviários cobra uma taxa adicional para permitir que os ciclistas levem suas bicicletas em trens suburbanos, metrôs e bondes. Muitos sistemas proíbem a entrada de bicicletas nos veículos durante horários de pico e, mesmo quando permitem, acaba sendo mais conveniente deixar a bicicleta no estacionamento, antes do início da viagem.
A maioria das cidades que pesquisamos não permite que bicicletas sejam levadas a bordo de ônibus urbanos. A maioria dos ônibus nem é equipada com suportes para bicicletas. Essa realidade contrasta com a dos Estados Unidos, onde mais de 50 mil ônibus urbanos foram equipados com bicicletários em 2007 para facilitar a integração entre o ciclismo e o transporte coletivo. Esse parece ser um aspecto em que o sistema de trânsito americano faz um trabalho de coordenação entre ciclismo e trânsito melhor que o europeu. A estratégia dos países do norte da Europa é disponibilizar estacionamentos nos principais terminais de ônibus, em pontos de intercâmbio de linhas de ônibus e até mesmo em alguns pontos de ônibus na periferia. As instalações para estacionamento de bicicletas em pontos de ônibus não são tão seguras e confortáveis quanto as localizadas em estações ferroviárias, mas ajudam a suprir a falta de bicicletários nos ônibus.
Outra forma de integração entre bicicleta e trânsito é o aluguel de bicicletas, disponível em praticamente todas as grandes estações de trem e mesmo nas estações menores das cidades da Alemanha, Dinamarca e Holanda. Em Berlim, o programa da companhia The Germain Railway, chamado Call a bike, permite que qualquer um com um celular e um cartão de crédito alugue uma das três mil bicicletas alemãs distribuídas por toda a cidade. A bicicleta pode ser devolvida em diferentes lugares.
Formação e ensino
Crianças holandesas, alemãs e dinamarquesas recebem uma ampla formação sobre técnicas seguras e eficazes de ciclismo em seu currículo escolar regular. A maioria das crianças completa esse curso até o fim da quarta série. A formação inclui tanto instruções em sala de aula como lições “na pista”, que são realizadas inicialmente em pistas de treinamento exclusivas para crianças e, depois, em ciclovias regulares ao longo da cidade. Em alguns lugares, as crianças são de fato testadas por policiais e, se forem aprovadas no teste, recebem certificados oficiais, bandeirinhas e adesivos para suas bicicletas. Como muitas vão para a escola de bicicleta, uma boa formação em ciclismo é essencial para garantir a segurança delas. Além disso, o curso as prepara para pedalar em segurança pelo resto de suas vidas. Como todas as crianças matriculadas em escolas são incluídas nessa formação, tanto meninas quanto meninos começam a andar de bicicleta desde muito cedo.
Outro elemento crucial para garantir a segurança no ciclismo é a formação dos motoristas, que devem estar atentos aos ciclistas nas rodovias para evitar colocá-los em perigo. Em geral, a formação de um condutor na Holanda, na Alemanha e na Dinamarca é muito mais longa, mais cara e mais difícil que em outros países. Os motoristas são legalmente responsáveis por colisões com ciclistas jovens e idosos, mesmo se estes estiverem atravessando no meio da pista, pedalando na direção errada, ignorando sinais de trânsito ou, em outras palavras, com um comportamento contrário às leis de trânsito.
Leis de trânsito
As leis de trânsito na Holanda, na Alemanha e na Dinamarca dão atenção especial à vulnerabilidade do ciclista diante dos veículos motores. Assim, elas geralmente obrigam o motorista a fazer esforços especiais no sentido de antecipar possíveis situações de risco e evitar o atropelamento de ciclistas. Além disso, motoristas geralmente assumem a responsabilidade legal pela maioria das colisões com ciclistas, a não ser que possa ser provado que o ciclista deliberadamente provocou o acidente. Ainda que, em determinada situação, a lei dê ao motorista o direito de passagem, isso não retira sua responsabilidade pelos acidentes e colisões, principalmente quando envolverem crianças e ciclistas mais velhos.
De maneira geral, as leis de trânsito nesses países tendem a proteger ciclistas e pedestres de uma maneira muito mais rigorosa – com respaldo da polícia e dos tribunais – do que em outros países. Além disso, ciclistas que desobedecem as leis de trânsito estão mais propensos a serem multados. Somada ao treinamento integral de motoristas e ciclistas, a aplicação rigorosa das leis de trânsito certamente contribui para uma direção mais segura na cidade, tanto por parte de motoristas quanto de ciclistas.
Políticas de tributação, estacionamento e uso do solo
Muitas cidades holandesas, alemãs e dinamarquesas impõem uma gama de restrições ao uso de carros, como limites de velocidade, nas viradas e no sentido da rota. Em alguns casos, proíbem totalmente o uso do automóvel, como ocorre nas “zonas sem-carro”. Da mesma forma, a oferta de rodovias e estacionamentos para carros é bem menos generosa nessas cidades do que em cidades americanas e brasileiras. Na verdade, nas últimas décadas, a construção de estradas e de infraestrutura de estacionamento para carros foi deliberadamente reduzida em muitas cidades holandesas, alemãs e dinamarquesas, com o objetivo de desencorajar o uso de automóveis no centro das cidades. As várias restrições ao uso de carros e à construção de estacionamentos reduzem a velocidade, a praticidade e a flexibilidade das viagens de carro, quando comparadas às de bicicleta.
Além disso, os impostos cobrados sobre a gasolina e sobre a compra de carros novos, as tarifas de importação, as taxas de registro do carro, de formação do condutor e de estacionamento são geralmente muito maiores na Europa do que nos Estados Unidos ou no Brasil – diferença que resulta em custos totais de propriedade e uso de veículos duas ou três vezes maiores na Europa. Esses custos mais altos desencorajam o uso do automóvel em alguma medida e, portanto, promovem formas alternativas de se locomover na cidade, como o ciclismo, que é, sem dúvida, um dos meios de transporte mais baratos.
John Pucher
Professor da Universidade de Rutgers e pesquisador da economia dos transportes e do comportamento urbano.
Ralph Buehler
Professor de assuntos urbanos e planejamento no Tech’s Alexandria Center. Com John Pucher, publicou City Cycling, pela MIT Press.
Hans Van der Meer
Fotógrafo holandês, é conhecido, dentre outros projetos, por seus registros de campos de futebol amador.
Como citar
BUEHLER, Ralph; PUCHER, John. Efeito pedalada. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, n. 7, p. 60-71, jan. 2015.
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