DE
ÔNIBUS
Kristoffer Roxbergh
Há aproximadamente dois anos, eu era um recém-chegado em Belo Horizonte, uma cidade cuja língua eu não falava, em um continente onde eu nunca tinha posto os pés antes.
Por causa do meu completo desconhecimento da língua portuguesa, fui exposto à pura estrutura do sistema. Eu não podia me virar na minha língua, e segui o caminho mais acessível. Escolhas que já tinham sido feitas antes se tornaram as minhas, como se eu estivesse adotando as configurações padrão de um computador. Não me importava em usar o mapa mental de outras pessoas quando isso significava a escolha da goiabada para comer, da cachaça para beber ou da dança para dançar. Dessas coisas eu gostava independentemente do fato de terem sido decididas por mim ou não, porque elas não estavam relacionadas com o acesso a certos lugares, mas com o sabor desses lugares.
Para minha surpresa, a vida no estado de Minas Gerais me lembrou a Suécia. Para além da jocosidade das pessoas, havia sempre uma seriedade e uma racionalidade que eu podia reconhecer. Também a cidade, largamente esticada, sem bordas claras, me pareceu familiar. Eu cresci nas periferias de uma cidade grande e pouco densa da Suécia onde, em razão de os lugares serem distantes, as crianças precisavam contar com seus pais para as levarem aonde elas precisassem ir. Como eu preferia não deixar que meus pais soubessem tudo sobre meu paradeiro, descobri o transporte publico já na infância. Os ônibus se tornaram meu principal meio de transporte. A partir dos dez anos comecei a ir de ônibus para a escola, ainda que fosse mais rápido andar, só pelo entusiasmo e pelo sentimento de liberdade. Desde aquela época, carrego esse entusiasmo por ônibus. Os ônibus são eficientes, visto que levam muitas pessoas; relaxantes, pois não demandam que o passageiro se preocupe com os outros motoristas e com a estrada e emocionantes, porque propiciam conversas com outros viajantes.
Em Belo Horizonte, não encontrei ninguém que dividisse comigo essa emoção pelos ônibus. Disseram-me que não era um meio conveniente de se viajar pela cidade, que eles eram barulhentos, que seria impossível encontrar o ônibus certo e que, mesmo que o encontrasse, não saberia onde descer. Aquele não era, simplesmente, um modo adequado para um cavalheiro passear pela cidade.
Um dia, queria ir a um museu no centro da cidade e, tendo escutado os conselhos sobre os ônibus, decidi ir à pé. Quarteirão por quarteirão, rua por rua, quilômetro por quilômetro. Exausto pelo calor, percebi que havia um ônibus vindo na direção certa. Eu acenei e entrei. Aquilo era diferente. O ar entrando pelas janelas abertas e um assento esperando exatamente por mim. Era acessível e me levaria ao lugar cujo nome se apresentava no vidro da frente do ônibus. Naquele momento, isso era suficiente para mim. Quando cheguei na última parada, estava feliz em ter chegado tão longe. Agora, minha primeira preocupação era como achar o caminho para onde eu realmente tinha que ir. Para encontrar o caminho, eu precisava de um mapa dos ônibus, algo que me mostrasse o sistema de transporte público na sua totalidade e as rotas de ônibus entrelaçando as áreas habitadas da cidade, como as veias sanguíneas distribuem nutrientes a diferentes partes do corpo.
Olhando para a parada de ônibus onde tinha chegado, só vi números. Os ônibus só mostravam nomes não familiares. Consegui comunicar o meu problema ao vendedor de jornais. Ele me disse que não havia mapas e só podia me oferecer um pequeno livro com muitos números e nomes. Entendi que esses números e nomes representavam alguns dos lugares onde os ônibus parariam. Ligar alguns desses nomes com os lugares em um mapa da cidade poderia ter sido possível, mas descobrir onde era possível trocar de ônibus demandava uma capacidade de computação de dados que eu simplesmente não tinha. Decidi pegar um táxi.
O encontro com os ônibus em Belo Horizonte me fez pensar sobre acessibilidade, e no que isso realmente significa. É uma questão sobre o que nos faz humanos. De acordo com o escritor britânico Matt Ridley, o que caracteriza os humanos é a habilidade de trocar objetos e ideias. A troca, base da especialização e do comércio, otimiza o uso de fontes e espalha riqueza.
Comunicação, no sentido da capacidade de movimentar-se pela cidade, é essencial para que seja possível trocar qualquer coisa com outras pessoas. Para que trocas ocorram, é necessário poder mover-se pela cidade facilmente. De forma muito prática, é difícil receber ou oferecer um serviço para alguém se não está claro como chegar a um local específico. Eu não posso ter meu cabelo cortado pelo cabeleireiro se não consigo chegar ao salão. Oitenta e cinco por cento do PIB de Belo Horizonte vem do setor de serviços. O transporte poderia ser uma maneira simples de aumentar o PIB e, consequentemente, a riqueza.
Não são necessárias mudanças enormes. Já há ônibus rodando por toda a cidade. Imagine um mapa de ônibus completo, com o desenho de todas as linhas afixado nos pontos de ônibus. Cada um de nós teria à sua frente, então, um manual sobre como podemos nos tornar uma sociedade mais rica: em dinheiro, em ideias, em encontros. Saber aonde ir enriquece a todos.
Kristoffer Roxbergh
Arquiteto em Estocolmo, tem sempre uma bússola a tiracolo com a qual enfrenta os enigmas vários mundo afora.
Como citar
ROXBERGH, Kristoffer. De ônibus. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, n. 1, p. 08-09, jan. 2010.