É NATAL
UHP – Urban Homesteading Project
A cidade de Nova Iorque é conhecida por seu lixo, tanto pela quantidade depositada nas calçadas dia após dia, quanto pela “qualidade” do lixo, no qual podem ser encontrados objetos, eletrodomésticos, móveis e livros, tudo em perfeito funcionamento. Nas semanas seguintes ao Natal, nota-se uma clara variação na paisagem das calçadas nova-iorquinas. As montanhas de sacolas pretas nas esquinas da cidade passam a estar acompanhadas de milhares de árvores natalinas.
Durante a década de 1980, a indústria das árvores de natal artificiais colocou em risco a velha tradição norte-americana de ir cortar o próprio pinheiro natalino. As fazendas de pinheiros (x-mas tree farms) continuam existindo, e atualmente disputam com a indústria das árvores artificiais o selo de “mais ecológico”. As fazendas dizem que as árvores naturais produzem oxigênio enquanto crescem, são produzidas nos EUA (as artificiais são fabricadas na China) e, depois de utilizadas, podem ser transformadas em composto ou usadas para proteger encostas assoreadas. O problema é que esses argumentos não levam em consideração o impacto na biodiversidade e a quantidade de agrotóxico utilizado para manter os frágeis pinheiros longe das pragas.
Os Estados Unidos têm 200 mil alqueires de plantação de árvores natalinas. A população de Nova York gasta mais de 9 milhões de dólares por ano adornando suas casas em dezembro com pinheiros recém-cortados (cuja idade costuma variar entre 8 e 12 anos), que posteriormente serão abandonados nas ruas junto com caixas de presentes de papelão, garrafas plásticas e computadores velhos. A prefeitura de Nova York tem dois programas para recolher árvores e transformá-las em mulch, uma cobertura orgânica usada para proteger o solo de parques, praças e jardins comunitários durante o inverno. O primeiro acontece na segunda semana de janeiro, quando cada família leva sua árvore aos locais de reciclagem. As árvores também podem ser deixadas na calçada durante as duas primeiras semanas de janeiro, mas, se ainda tiverem com alguma decoração (luzes, bolas, plásticos, etc), são recolhidas pelo lixo normal e seu destino passa a ser o aterro sanitário. A prefeitura de Nova Iorque anunciou que mais de 122.000 árvores foram recolhidas e recicladas em 2009 com essas campanhas. Em 2010, foram cerca de 147.000 árvores.
O projeto FOREST faz parte de uma série de pesquisas do coletivo Urban Homesteading Project (UHP) sobre a conexão entre rejeitos, problemas ambientais e interações sociais no espaço público de Nova Iorque. Durante as semanas seguintes ao Natal, no período que antecedia a campanha da prefeitura para coleta e reciclagem, passamos a recolher as árvores que foram colocadas nas calçadas perto de nossas casas. As árvores foram transportadas para regiões industriais do bairro de Greenpoint, localizado na região Norte do Brooklyn, “ressuscitadas” e agrupadas em pequenas florestas. Era uma tentativa de refletir sobre o potencial que uma pequena fração dessas árvores descartadas teria no ambiente urbano.
O bairro de Greenpoint, um porto que recebeu todos os tipos de instalações industriais no século passado, é cenário de acidentes ecológicos de diversos tipos e ainda lida com as consequências dos descuidos do passado. O bairro vive tempos de mudanças urbanísticas: imponentes prédios de luxo são construídos, sombreando as casas tradicionalmente ocupadas por poloneses, e grandes lojas e novos restaurantes instalam-se nas principais ruas do bairro. Em meio à euforia do progresso, os novos habitantes se esquecem das diversas substâncias tóxicas que foram despejadas no solo da região e até mesmo da lagoa de óleo que ainda existe entre o solo e o lençol freático que já abasteceu toda a cidade do Brooklyn. Essa poluição resulta do maior vazamento de óleo do país até 2010 – quando foi ultrapassado em quantidade de barris de óleo despejados pelo famoso acidente ocorrido no Golfo do México. Queríamos fomentar o debate acerca de uma situação com a qual convivíamos diariamente e, então, criamos o projeto como um exercício de visualização de uma realidade alternativa.
O projeto contou com diversos aspectos colaborativos. Foi financiado por meio de uma campanha crowdfunding que serviu para alugar um pequeno caminhão de mudança por uma semana. O caminhão, com carroceria baú, servia tanto para recolher as árvores quanto para armazená-las de um dia para o outro. Fizemos uma chamada para que as pessoas do bairro enviassem fotos com a localização das árvores, para que pudéssemos chegar até elas antes do caminhão de lixo comum. Contamos também com a ajuda de conhecidos (e desconhecidos) para montar cada uma das florestas, e juntos resistimos aos dias mais frios daquele inverno e à neve que caía. Algumas das instalações chamavam a atenção dos passantes, que nos perguntavam do que se tratava, mas muitas das florestas pareciam se encaixar tão bem à paisagem que passavam despercebidas.
As árvores, mortas, deram vida à paisagem cinza até o final de semana chamado pela prefeitura de Mulch Festival, quando todas as árvores foram levadas ao parque do bairro e recicladas.
UHP – Urban Homesteading Project
Coletivo formado por Francisca Caporali, Laura Chipley e Pilar Ortiz.
Como citar
URBAN HOMESTEADING PROJECT. É natal. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, n. 5, p. 58-60, jan. 2013.