MANHATTAN
2409
Texto de Eric W. Sanderson
Quatrocentos anos depois da chegada do explorador Henry Hudson à biodiversa e produtiva Mannahatta, terra dos Lenape, um ecologista imagina como a Manhattan atual terá se transformado daqui a quatro séculos.
Cidades são habitats construídos para pessoas – para muitas pessoas, com suas necessidades, tais como comida, água, abrigo e recursos reprodutivos (isto é, aquilo de que precisamos para ter e criar filhos). Mas isso não é suficiente. Pessoas, talvez de modo único no mundo natural, necessitam algo mais: precisamos de um sentido. E as cidades são singularmente concebidas para proporcionar sentidos – sentidos de vários tipos, para vários tipos de pessoas.
A Manhattan do século XXI é o exemplo máximo de uma cidade carregada de sentidos. Uma revista New Yorker emprega em média 11 páginas, em fonte tamanho 8, para descrever apenas alguns dos eventos de arte, dança, música e cinema que acontecem na cidade a cada semana. Manhattan tem mais de 1.200 igrejas, sinagogas e outros locais de culto. Um verão recente gerou 124 feiras e festivais de rua, 36 paradas e, pelo menos, 85 shows e concertos ao ar livre gratuitos; há mais de 18 mil locais para se comer na cidade. A cidade de Nova Iorque oferece oportunidades extraordinárias para gourmets, fãs de esportes, amantes de cães, cinéfilos, apreciadores de arte, “audiófilos”, esportistas, hipsters, e pais. De todas as maneiras de se encontrar sentido no mundo, talvez a única que não seja plenamente satisfeita em Manhattan seja aquela que os seus primeiros residentes, os Lenape, consideravam a mais importante: uma conexão com a natureza.
Não que a conexão com a natureza esteja inteiramente ausente da cidade. O que seria de Manhattan sem seu grande Central Park, um recesso de verde na cidade de pedra? Ou sem as águas inquietas do porto e dos rios? Todos os seus parques e lugares abertos proporcionam, para quem procura, alguma sensação do mundo natural. Até diante dos que escolhem não procurar, o mundo natural se impõe o tempo todo, na forma de tempestades e nevascas, de aves em migração (e colisão – malditos prédios envidraçados), de coiotes e perus que voltam sorrateiramente à cidade. A natureza espreita, se oferece, rodopia em espaços pequenos e quietos, mesmo enquanto seguimos apressados para nosso próximo compromisso.
O problema é que a tarefa de fornecer os requisitos básicos – de comida, água e abrigo – para 15 milhões de pessoas, além de acomodar mais um milhão de trabalhadores e cerca de 120 mil turistas que vêm e vão todos os dias, acaba atrapalhando o que mais a natureza possa querer fazer.
Na terra outrora conhecida como Mannahatta, há 400 anos, a população indígena local, os Lenape, supriam quase todas as suas necessidades com recursos de seu entorno, assim como seus antepassados haviam feito por 10 mil anos antes da chegada do explorador Henry Hudson. Sua “bacia de recursos”, tecendo uma analogia com uma bacia hidrográfica, era Mannahatta e suas águas. Eles encontravam alimento entre as plantas e animais que ali viviam naturalmente e nas culturas que mantinham; bebiam águas locais fornecidas por chuvas locais; construíam abrigos a partir das árvores que cresciam na ilha. Se eles retirassem demais as cascas das árvores, se queimassem a terra muito agressivamente, se caçassem veados além do limite, logo ficavam sabendo, porque viviam com pouca margem para segundas chances. Como resultado, eles não desperdiçavam, eram cuidadosos, e encontravam significado em viver e sustentar um mundo que vivia e os sustentava.
Não há como voltar atrás, mas há como seguir em frente. Nenhum Lenape que se prezasse cortaria três árvores quando uma fosse suficiente – qual seria o objetivo? Mas nosso modo de vida moderno parece fadado a fazer exatamente isso, para o pesar de muitos de nós que, tendo assegurado os requisitos habitacionais básicos, queremos menos poluição, congestionamento e plástico-filme descartável atormentando nossas vidas. A questão diante de nós é: será que a implacável energia e o ímpeto em criar o futuro, que têm caracterizado Nova Iorque desde a colonização holandesa, podem ser direcionados para criar cidades que sejam habitáveis e sustentáveis para todos? Olhando em frente para os próximos 400 anos, há ideias surgindo no horizonte para trazer um pouquinho de Mannahatta de volta a Manhattan.
Comida
Todos nós precisamos comer. Trazer a comida para dentro da grande metrópole e depois jogar fora todas as migalhas, cascas de fruta, embalagens e outros restos são dois dos nossos maiores desafios. Nesse aspecto, a coisa era relativamente mais fácil para os Lenape: o meio ambiente local era tão fértil que a comida era amplamente disponível, ainda que de obtenção um tanto mais difícil do que uma ida à mercearia. E para se livrarem das conchas, ossos e cascas de nozes que sobravam, eles tinham sambaquis convenientemente dispersos do lado de fora de suas tendas. Dizem que se você cavar fundo o suficiente em qualquer lugar no sul de Manhattan, você encontrará conchas. Essa solução não daria muito certo nos dias de hoje. O lixo de um restaurante de fast-food típico, deixado na rua por uma semana, formaria uma pilha de quatro metros e meio de largura e mais de três metros de altura.
Uma lição que podemos aprender com os Lenape é a importância dos alimentos locais. Conseguir sua comida localmente oferece várias vantagens: os custos de transporte são mais baixos, porque as distâncias são menores; a comida é mais fresca, porque o tempo de transporte é mais curto; e a comida é mais barata, porque há menos intermediários entre o produtor e o consumidor. Comprar alimentos locais também significa que os comensais (ou seja, todos nós) têm interesse na saúde e produtividade das terras e águas à nossa volta. Manter nossas fazendas por perto significa que podemos apreciar melhor paisagens agrícolas próximas e considerá-las não em oposição a, mas como parte da paisagem urbana.
Muita gente não se lembra disso, mas, no passado, uma grande vantagem de Nova Iorque era sua proximidade a fazendas produtivas no vale do rio Hudson, em Nova Jérsei, e em toda Long Island – inclusive na própria cidade.
Embora o alastramento urbano tenha tornado muitas terras boas improdutivas, hoje 10 por cento da terra a menos de 160 km da Umpire Rock, no Central Park, ainda é pasto ou lavoura; 26 por cento é floresta; e 8 por cento são espaços abertos construídos, como campos esportivos ou jardins. Hortas comunitárias e mesmo a agropecuária em pequena escala voltaram para a cidade. Uma plantação em Red Hook, por exemplo, prospera sobre o que já foi um estacionamento asfaltado, usando adubo fornecido pelo Zoológico do Bronx.
E não nos esqueçamos dos frutos do mar – o último recurso alimentar selvagem em Nova Iorque. Assim como todo recurso alimentar selvagem, pesqueiros podem ser, e frequentemente são, superexplorados. Mas um bom gerenciamento, incluindo a recuperação de habitats e áreas de pesca proibida, pode trazer alimentos das águas abundantes de Nova Iorque de volta aos nossos cardápios.
Água
Manhattan é uma ilha cercada de água – mas nem uma gota para beber. Esse dilema insular não era problema algum para os Lenape – eles simplesmente bebiam dos riachos, nascentes e lagoas de água doce que os cercavam, abastecidos com boa regularidade pela chuva e pelo degelo de neves que Mannahatta recebia, retinha em aquíferos subterrâneos, e então liberava para matar sua sede. No entanto, água potável passou a ser um problema para Nova Iorque quando um curtume se instalou ao lado do Collect Pond (“Lago Coletor”) no início do século XIX, arruinando em alguns anos o que tinha levado milhares de anos para se formar. Nascentes próximas passaram a ser encanadas e pequenas fortunas foram feitas carregando-se água pela cidade. Somente quando terminou-se o aqueduto Croton, em 1842, trazendo água de 48 km de distância, as preocupações da cidade com a água foram (temporariamente) acalmadas. Hoje, os nova-iorquinos ainda bebem de uma extensão de 160 km desse mesmo sistema, expandido para 19 reservatórios, três lagos controlados, e uma capacidade total de armazenamento de aproximadamente 2,2 trilhões de litros.
Bueiros e esgotos são efetivamente os riachos da cidade moderna. No entanto, bueiros têm que lidar com alguns problemas que não afetam os riachos. Para começar, bueiros recolhem o escoamento de uma cidade que, na verdade, não quer e não gosta da água. Cidades são feitas de superfícies impermeáveis (como concreto, asfalto, pedras) que, ao contrário do solo, resistem à água que tenta infiltrar-se nelas. O resultado é que o escoamento superficial ocorrido após uma chuva é muito maior em Manhattan hoje do que era há 400 anos. Naquela época, parte da água era retida pelas folhas das árvores, e grande parte infiltrava-se no solo, alimentando a zona radicular que irrigava as plantas. Um pouco da água também era retida pelo solo e gradualmente alcançava os riachos.
Muito pouco disso acontece hoje. Como todo morador de qualquer grande cidade pode atestar, após uma boa chuva, a água corre pelas ruas, se avolumando até os bueiros. Papel, papelão e isopor se acumulam nas entradas – formando o equivalente moderno a represas de castor – o que cria poças e, em seguida, pequenas lagoas. Não apenas há mais água na superfície hoje do que no passado, mas essa água está se movendo mais rápido. Mais água, se movendo mais rápido: o nome disso é enchente.
Qual é a solução para enchentes nas cidades? Como é de se imaginar, a resposta é a mesma que as florestas encontraram há muito: solo, vegetação e riachos. Em uma parte de Staten Island estão sendo recuperados córregos que fornecem não apenas controle de escoamento e de enchente, mas também áreas adicionais de parque e de habitats selvagens, criando em conjunto um “cinturão azul”. Jardins de água – jardins que coletam água para reutilização – podem ser construídos em quintais pequeninos ou em estacionamentos enormes, como uma forma de segurar a água e fazê-la retornar ao ciclo hidrológico natural. Novos materiais de pavimentação também permitem que a água encharque estacionamentos e passe terra abaixo. Calçamentos de pedras, ao invés de asfalto monótono, dão às ervas espaço para que cresçam sob nossos pés, e à água um duto para que retorne à terra. No topo de edificações impermeáveis, a última invenção é o telhado ecológico. Um telhado ecológico é simplesmente uma fina camada de solo onde são plantadas gramíneas e flores que diminuem a velocidade do escoamento da água e reduzem a temperatura dos prédios onde são construídas.
Alguns dizem que um dólar investido na economia cria cinco dólares de atividade econômica extra. O mesmo ocorre com a água nos ecossistemas. A maior parte da água que cai sobre a cidade hoje, no entanto, é jogada fora, literalmente drenada de Manhattan o mais rápido possível, e substituída principalmente por água transportada das montanhas Catskill, o que parece ser um certo desperdício, já que a precipitação anual, mesmo nos níveis atuais de consumo, seria suficiente para suprir mais de 36% das nossas necessidades.
Embora Nova Iorque tenha dado, em geral, grandes passos no tratamento de seu esgoto, quando chove as águas pluviais se somam ao esgoto e sobrecarregam as estações de tratamento. O resultado é esgoto não tratado, na ordem de 100 bilhões de litros por ano, ainda entrando no Porto de Nova Iorque, embora já um pouco diluído. Esgoto na água significa que a orla não é segura para o lazer depois de chuvas, privando assim a cidade de um de seus primeiros e maiores bens, sua proximidade da água.
Os nova-iorquinos estão reimaginando sua orla, mas, desta vez, eles se voltam para o porto em busca de lazer. Estão em curso planos para entrelaçar a ilha de Manhattan com alamedas que conduzirão bicicletas e skatistas, e não apenas carros; caiaques e embarcações recreativas estão retomando o Hudson e o Upper Harbor (seção do Porto de Nova Iorque logo ao sul de Manhattan) com novos embarcadouros; e parques estão florescendo onde fábricas e bases militares outrora estiveram. Ao mesmo tempo, no entanto, as águas sobem lentamente enquanto o clima muda e longe dali gelo derrete; em breve, medidas diferentes serão necessárias para acomodar os mares que vão se apossar da ilha.
Abrigo
Olhando a cidade a partir de grandes alturas, há pessoas vivendo, trabalhando e divertindo-se em edifícios. Edifícios, como um componente do habitat, satisfazem várias necessidades do animal humano. Antes de tudo eles fornecem abrigo contra os extremos do clima. Edifícios também são dutos para a recepção e distribuição de comida e água e para a remoção de resíduos dos nossos espaços de moradia. Mais importante que isso, no entanto, edificações e o ambiente construído são lugares que influenciam a maneira como nos sentimos e o que fazemos dentro deles. O desenho de nossas cidades determina muito da ecologia urbana e do comportamento das pessoas; nossos espaços construídos estabelecem o cenário para negócios, lazer, educação, para comer e dormir – os encontros que fazem a própria vida.
Hoje a maior parte das edificações é muito confortável, pelo menos dentro dos padrões Lenape, contando com luzes, ar condicionado, espaço e privacidade, mas são geralmente construídas com materiais não renováveis trazidos de qualquer lugar, exceto Manhattan. A ideia modernista era construir estruturas que transcendessem tempo e espaço e, como resultado, grande parte da arquitetura do fim do século XX poderia ter sido construída em qualquer lugar. Arquitetos hoje, felizmente, estão começando a pensar nos prédios como as estruturas orgânicas que são, nos locais e para os locais das paisagens que eles criam: habitats para pessoas, ao mesmo tempo responsáveis por e dependentes de um ecossistema maior.
Prédios projetados para aproveitar a regulação passiva de temperatura podem ajudar a reduzir o calor do verão e utilizar aquecimento solar no inverno. Novos prédios ecológicos são construídos com “segundas peles” que podem tanto criar sombra quanto isolar termicamente, abrindo e fechando conforme a estação. Esses prédios também adentram o solo com bombas de calor geotérmicas, recorrendo à temperatura consistente da terra para contrabalançar as vicissitudes do ar. Outros tantos cultivam jardins suspensos por toda a edificação, aproveitando as propriedades da vegetação e do solo para modular a atmosfera e o clima.
Edificações também precisam respirar, livrar-se do ar velho e trazer o novo – pense em brisas de verão soprando por um vale entre colinas, agitando as folhas em uma floresta, perfumadas pelo mar. A temperatura movimenta o ar, mas é a topografia e a vegetação que direcionam os ventos. De modo semelhante, edifícios podem moldar o vento para o bem ou para o mal. Muitos prédios ecológicos hoje são projetados para aproveitar o que o ar já quer fazer de qualquer forma: enquanto o ar quente sobe, ar fresco é trazido por baixo dele. Esse ar fresco é muitas vezes reavivado e resfriado com fontes ou chafarizes, que também servem para umidificar e refrescar o ambiente.
Cada edificação não é uma ilha por si só; é parte de um todo – isto é, construções, como florestas, riachos ou pastos na paisagem, criam contextos para que outras coisas aconteçam. Em uma série de palestras famosas na década de 1960, Jane Jacobs falou a respeito do valor de bairros de uso misto, onde as pessoas podem trabalhar, fazer compras e viver em proximidade. Ela poderia ter pedido aos veados que nos mostrassem o caminho – veados-de-cauda-branca sabem que o melhor modo de viver é perto dos pastos que você ama, perto dos arbustos que dão abrigo, e ao lado do riacho para beber. O mesmo vale para as pessoas – vivemos melhor, nossas comunidades prosperam mais, quando tudo o que precisamos, incluindo família, amigos, casa e trabalho, está por perto.
Energia e Transporte
Os Lenape tinham duas respostas para suas necessidades de energia e transporte: madeira e músculos. Assim como milhões de nova-iorquinos, os Lenape faziam exercícios físicos regulares, mas eles consistiam em derrubar árvores, remar em canoas, arar campos e, assim como os nova-iorquinos de hoje, andar – andar bastante. Eles provavelmente usavam uma quantidade prodigiosa de lenha, mas como as florestas eram muitas e as pessoas poucas, sempre havia mais de onde aquela tinha saído. Os Lenape não tinham gás natural do Golfo do México ou petróleo do Oriente Médio, e também não tinham eletricidade, a não ser durante espetaculares tempestades de raios. A sociedade moderna, no entanto, estaria perdida sem os pacientes e silenciosos elétrons que fluem pelas linhas e fazem funcionar nossas lâmpadas, computadores, televisores e indústrias.
Nova Iorque usa hoje uma quantidade monumental de eletricidade: 11.020 megawatts diários em épocas de pico, o equivalente a 3,7 bilhões de guerreiros Lenape fazendo flexões. No momento, a maior parte do nosso aquecimento e da eletricidade é obtida de petróleo, gás natural, e energia nuclear; apenas uma pequena fração (menos de 1 por cento) é obtida de fontes renováveis como o sol, o vento, as marés e o calor da terra. Nem sempre foi assim. A Nova Amsterdã holandesa era famosa por seus moinhos de vento. Moinhos de água também forneciam energia. Nova Iorque também abrigava moinhos de maré, uma invenção de mais de mil anos de idade. Na maré alta, a água sobre, empurrada pela maré, e uma comporta se fecha. Na maré baixa, a água é liberada por um duto que faz girar uma roda. Inteiramente gratuitos, impulsionados pelo puxa e empurra da lua, moinhos de maré são perfeitos para cidades construídas perto de estuários.
Em uma escala reduzida, essas lições não se perderam. Em 2007, a prefeitura ligou seis turbinas de maré situadas perto da ilha Roosevelt no rio East, que podem gerar mais de mil kilowatts/hora por dia. Eventualmente o local poderia gerar dez megawatts em momentos de pico na produção, o suficiente para abastecer 800 residências. No que toca à energia eólica, Manhattan não está idealmente situada, mas a pouca distância mar adentro há ventos constantes e implacáveis que podem girar turbinas de muitos megawatts. Planos para a construção de grandes usinas eólicas nas águas costeiras de Long Island foram traçados e abolidos, mas ainda assim o vento sopra (o governo estadunidense estima que a capacidade eólica da costa dos Estados Unidos seja por si só suficiente para fornecer energia a todo o país). E temos também a energia solar. Nova Iorque é relativamente ensolarada. Em um ano típico, a cidade tem 232 dias de sol (a média nacional é 212). Novas tecnologias de captação de luz solar estão permitindo que não só painéis solares, mas também telhas solares ajudem edifícios a captar energia como fazem as plantas.
Um ponto em que todos concordamos é que precisamos gradualmente largar nosso vício atual em combustíveis fósseis, muito fundado na cultura do automóvel. Podemos afirmar com justiça que muitos nova-iorquinos já estão fazendo sua parte no que tange a um deslocamento mais eficiente. Mais de um terço das viagens de transporte coletivo realizadas a cada dia nos EUA acontecem em Nova Iorque; o sistema de metrô da cidade transporta pessoas em mais de 1,5 bilhões de viagens anuais. Esse uso tão intenso do transporte público é consequência não só de planejamento e investimentos urbanos inteligentes feitos desde o século XIX, mas também da densidade populacional da cidade, que faz com que se deslocar por transporte público seja prático. Por causa disso, o nova-iorquino médio produz um terço da quantidade de dióxido de carbono produzida por ano pelo americano médio.
Ainda assim, Nova Iorque enfrenta sérios problemas de transporte que, se não solucionados, irão sufocar o crescimento e o desenvolvimento futuros. Quase 20% da área de Manhattan (suas ruas e calçadas) é hoje dedicada ao transporte. As ruas estão continuamente cheias de carros – mesmo até tarde da noite – barulhentos, perigosos e poluidores. Em última instância, precisamos contemplar soluções que simplesmente não dependam do automóvel (e, por consequência, da dependência do automóvel do combustível fóssil). Após um experimento de cem anos, podemos concluir que carros nas cidades simplesmente não funcionam muito bem.
Bicicletas são particularmente adequadas para Nova Iorque, que tem um clima moderado, topografia, em geral, plana (graças às reformas urbanas do século XIX), alta densidade de ocupação do solo, uma orla espetacular e parques lineares extensos. O Greenway Plan for New York City (“Plano de Alamedas para Nova Iorque”) delineia mais de 560 km de ciclovias e vias para pedestres, incluindo uma alameda que daria a volta completa na ilha de Manhattan.
Embora sob muitos aspectos as bicicletas sejam a invenção mais legal que a humanidade já conheceu, elas não são para todo mundo; outras soluções de transporte público são necessárias para o inverno e para os que não podem pedalar. Minha solução de transporte coletivo urbano favorita é o bonde, cujas virtudes são quase tão numerosas quanto as da bicicleta. Bondes são mais baratos de construir que outros meios de transporte público; são mais rápidos, mais confiáveis e mais elegantes que os ônibus; eles podem facilmente se adaptar ao volume de tráfego (adicionando-se ou removendo-se carros); podem parar a cada quarteirão ou circular em modo “expresso”; e são compatíveis com pedestres e bicicletas porque se movem em baixa velocidade em faixas exclusivas. Manhattan já teve frotas extensas de bondes. Em 1902, o nova-iorquino médio fez mais de 250 viagens de bonde. Nova Iorque não estava sozinha nisso. Há cem anos, quase todas as cidades estadunidenses tinham bondes. Até que eles foram arrancados. Competição, má regulamentação e tramoias das empresas de ônibus e carros levaram à sua extinção. Se empregados no lugar dos carros, ao invés de em meio a eles, bondes poderiam ser revolucionários.
Eric W. Sanderson
Ecologista sênior da Wildlife Conservation Society nos EUA e diretor do projeto Mannahatta/Welikia.
Como citar
SANDERSON, Eric W. Manhattan 2409. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, n. 8, p. 56-63, set. 2015.
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