MINHA CASA, ONDE
NÃO POSSO ESTAR
Texto de Baha Boukari
A casa na Via Dolorosa, em Jerusalém, pertence à minha família há gerações. A casa e o arco ao seu lado já foram parte de um grande palácio que pertenceu a Pilatos de Roma. Minha casa costuma ser o primeiro ponto de visita em mapas e roteiros para peregrinos cristãos. Dentro dela há também uma mesquita, que fica aberta ao público, e há uma igreja que se conecta à casa através do arco. Costumávamos viver em harmonia e, apesar de ser muçulmano, eu também frequentava a igreja quando criança.
A história da minha família tem a ver com o estilo de vida palestino. Somos pessoas abertas e comuns, amamos a vida e queremos seguir em frente de forma civilizada. O islamismo nunca me impediu de ser artista e nunca impediu meu pai de ser arquiteto e piloto. Em 1948, quando eu tinha quatro anos, meu pai foi trabalhar como arquiteto em Damasco e deixamos Jerusalém. Quando voltamos, a situação política tinha mudado e, de repente, passamos a ser chamados de “imigrantes”.
Hoje não posso viver em minha própria casa, nem mesmo visitá-la, porque não posso entrar em Jerusalém com meu passaporte verde. Só posso ver minha casa quando os israelenses me dão permissão para entrar em Jerusalém – na ocasião, por exemplo, de um funeral de algum membro da família. É meu primo quem vive na casa, já que ele tem o passaporte que permite que esteja ali.
Baha Boukari
Artista e cartunista, nasceu em Jerusalém.
Como citar
BOUKARI, Baha. Minha casa, onde não posso estar. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, n. 4, p. 53, set. 2011.