NÃO DEMOLIR
NUNCA
Texto de Anne Lacaton, Frédéric Duot e Jean-Philippe Vassal
Na França, um importante programa público foi implementado com o objetivo de se excluírem os conjuntos habitacionais verticais construídos nas décadas de 1960 e 70. O programa baseava-se na demolição e na reconstrução dos mesmos, expressando um forte desejo de transformação da imagem da cidade.
Mediante o grande déficit na habitação popular que podemos observar, a demolição poderia sugerir um aumento e uma aceleração no que diz respeito à construção de novas unidades. Apesar disso, consideramos a demolição uma aberração, já que a transformação dos edifícios existentes seria uma outra solução para essas demandas, mais econômica e eficiente, além de ter maior qualidade espacial.
Embora os conjuntos habitacionais verticais apresentem hoje, mais do que nunca, condições de habitabilidade insatisfatórias e inadequadas, estamos convencidos de que há ainda um potencial associado a eles. As características estruturais, geográficas e espaciais desses grandes edifícios é um ponto de partida valioso para que as condições de habitação existentes sejam melhoradas radicalmente.
Oferecer apartamentos com o dobro da área útil, banhados por luz natural; oferecer tipologias diversificadas e singulares, serviços e instalações coletivas; considerar a qualidade dos espaços interiores e das áreas comuns como prioridade para uma melhor condição urbana: esses são objetivos prementes nos dias de hoje.
Não demolir nunca, não subtrair e nem substituir, mas sempre acrescentar, transformar e utilizar. Essa é uma proposta cujo objetivo é a precisão, a delicadeza, a amabilidade, estar e ser atento: atento às pessoas, às maneiras de usar, às construções, às árvores, ao terreno e a todas as preeexistências. Provocar um incômodo mínimo ou não incomodar em absoluto. Trata-se de ser generoso, de dar mais, de incrementar os usos e de facilitar a vida cotidiana.
A forma de inteligência que atua “a partir de algo” é muito mais enriquecedora do que a tabula rasa, do que (re)começar do nada. A transformação permite lançar um novo olhar, livre de ideias pré-concebidas. É necessário mostrar que o ato da transformação implica que certas estruturas permaneçam, que sua vida seja prolongada permitindo novos modos de uso.
Uma casa ótima é uma casa luxuosa. O luxo é um termo que surpreende quando se trata de habitação popular, mas, não obstante, o “luxo” é uma noção menos ambígua do que “qualidade”. Aquela noção é imprescindível porque não deixa dúvidas quanto à intenção de quem a emprega. Enquanto a “qualidade”, perpetuamente normatizada e parametrizada, acabou por converter-se numa ferramenta da lógica econômica e administrativa que vale para tudo, o luxo ainda está por ser criado, é a expressão de uma generosidade dos espaços a serem construídos: abundantes em luz natural, confortáveis em sua simplicidade e fluidos no limite entre interior e exterior.
Anne Lacaton, Frédéric Duot e Jean-Philippe Vassal
Arquitetos e autores de PLUS: Habitação coletiva, Territórios de exceção, uma estratégia para a regeneração dos conjuntos habitacionais na França (Gustavo Gili, 2007).
Como citar
DUOT, Frédéric; LACATON, Anne; VASSAL, Jean-Philippe. Não demolir nunca. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, n. 2, p. 40-41, abr. 2011.