PLANTE
VOCÊ MESMO
Texto de Christa Müller
Fotografias de Inga Kerber
Como a jardinagem urbana está transformando terrenos entulhados de lixo em espaços comunitários onde diferentes línguas, etnias e inclinações políticas se encontram.
Em tempos de comercialização cada vez mais flagrantes do espaço público, “o desejo de plantar batatas justamente num local público – e sem restrição de entrada – não é nada mais nada menos que revolucionário”, escreve Sabine Rohlf. De fato, podemos observar o retorno de jardins à cidade por toda parte e enxergar isso como um sinal de mudança na relação entre o público e o privado. E não é somente essa distinção, dominante na sociedade moderna, que está se tornando mais sutil; as diferenças existentes entre natureza e sociedade, assim como aquelas entre cidade e campo, também estão desvanecendo – pelo menos da perspectiva dos agricultores comunitários urbanos.
Nos anos 60, com o crescimento da economia, pessoas na Alemanha Ocidental desistiram de suas hortas urbanas por razões de status social; muitas delas queriam mostrar, por exemplo, que podiam comprar comida, não precisando mais plantá-la ou conservá-la. Hoje, de forma contrastante, uma “Geração Jardim” vem criando raízes no meio de modernos bairros urbanos, e as pessoas não sentem nenhuma vergonha de mostrar suas unhas – pretas por causa da jardinagem – em público.
O que observamos aqui é uma mudança no simbolismo e status dos valores e estilos de vida pós-materialistas. “Faça-você-mesmo” e “plante-você-mesmo” sugerem um desejo de encontrar singularidade nos produtos do próprio trabalho. Isso significa distanciar-se de uma vida de consumo de objetos produzidos industrialmente. Procurar encontrar sua expressão individual é também uma busca por novas formas e novos espaços de comunidade.
Nos últimos anos, pessoas dos mais variados meios têm unido forças e plantado hortas orgânicas nas principais cidades europeias. Criam abelhas, cultivam sementes, fazem cosméticos naturais, usam plantas para tingir tecidos, organizam refeições ao ar livre, ocupam e administram parques públicos. Com o apoio participativo da vizinhança, ativistas da jardinagem urbana estão plantando flores nos pés das árvores e transformando terrenos abandonados e estacionamentos entulhados de lixo em locais nos quais as pessoas podem se encontrar e se envolver em atividades comuns.
O novo movimento de jardinagem é jovem, colorido e socialmente heterogêneo. Em Berlim, habitantes “nativos” da cidade trabalham lado a lado com residentes turcos de longa data para cultivar vegetais em hortas e jardins de bairros e comunidades. Hortas no estilo “colha você mesmo” (onde é o cliente que colhe os produtos que vai comprar) e de pequenos agricultores estão formando redes. O movimento de jardinagem intercultural continua a expandir-se de maneira surpreendente, como se observa na plataforma Mundraub.org, que utiliza tecnologia Web 2.0 para marcar a localização de árvores frutíferas cujos frutos podem ser colhidos gratuitamente. Essa mistura de digital com analógico está criando novos mundos intermediários, que combinam práticas de livre acesso com atividades direcionadas à subsistência da vida cotidiana.
Conhecimento comum
Um princípio do código aberto fundamenta todos os jardins e hortas comunitários; a participação e o envolvimento da vizinhança são princípios essenciais. Hortas e jardins são utilizados e administrados como bens comuns, mesmo que os jardineiros e horticultores não sejam proprietários da terra. Ao incentivarem as pessoas a participar, hortas e jardins urbanos reúnem e combinam uma grande quantidade de conhecimento de maneira produtiva. Como em geral não há, entre os horticultores, profissionais agrícolas, todos dependem de todo e qualquer conhecimento disponível – e todos estão abertos ao aprendizado. Os agricultores urbanos seguem a máxima de que todos se beneficiam do compartilhamento de conhecimento: eles podem aprender uns com os outros, reaprender habilidades que haviam perdido e contribuir para criar algo novo. Práticas de jardinagem comunitária confrontam as limitações de recursos dos agricultores urbanos – seja com relação ao solo, seja aos materiais, ferramentas ou acesso ao conhecimento – e transformam-nas num sistema de abundância por meio da inventividade, dedicação e reciprocidade coletivas.
Nos jardins e hortas urbanos, tanto oportunidades como a necessidade de trocas surgem frequentemente. Uma atmosfera vibrante emerge ali onde os mais variados talentos se encontram. Em workshops, por exemplo, as pessoas podem aprender a construir suas próprias bicicletas de carga, jardins verticais ou telhados ecológicos (também chamados de telhados verdes); podem aprender a cultivar plantas em sacadas e a utilizar garrafas de plástico para irrigação constante do solo. Há sempre uma premência por inventividade e produtividade, que costumam surgir somente quando o conhecimento é passado adiante, o que, como resultado, produz mais conhecimento.
É assim que surge, ao longo do tempo, uma verdadeira comunidade em torno de um jardim. Um dos ingredientes mais importantes para o sucesso é o fato de o espaço não ser pré-definido ou restringido demais por regras. Pelo contrário, uma atmosfera de desordem e abertura torna evidente que cooperação e ideias criativas são desejadas e necessárias.
Uma nova política para o espaço (público)
Quando pessoas do bairro de Berlin-Neukölln organizaram seus jardins no terreno do antigo aeroporto Berlin-Tempelhof, em recipientes para plantas que eles próprios haviam fabricado, reunindo pessoas de muitos contextos e gerações diferentes e apoiados pela Allmende-Kontor, uma organização de jardinagem comunitária, isso foi, em primeiro lugar, um inusitado uso do espaço público. O jardim consiste em canteiros suspensos nos mais variados estilos em 5.000 m². As plantas crescem em estruturas de canteiro descartadas, carrinhos de bebê, tubos de zinco velhos e em recipientes de madeira reunidos pelos próprios jardineiros.
No entanto, mais do que um espaço público atípico, os jardins de Allmende-Kontor ressaltam uma dimensão política importante da jardinagem urbana. As práticas orientadas para o comum possibilitam uma perspectiva diferente da cidade. Elas requerem comunidades e, ao mesmo tempo, criam comunidades. As pessoas se reúnem, mas não sob a bandeira de grandes eventos, da publicidade ou pela obrigação de consumir. Pelo contrário, suas práticas auto-organizadas e descentralizadas na esfera pública expressam, implicitamente, uma aspiração compartilhada por uma cidade verde para todos. Ainda que nenhuma grande nova utopia – “a sociedade do futuro” – esteja sendo promovida. Em vez disso, o que se tem são interações sociais simples, que, lentamente, transformam um espaço concreto no aqui e agora.
A preferência por iniciativas em pequena escala como uma forma de redescoberta do entorno próximo de cada um não é, em hipótese alguma, baseada em uma perspectiva limitada. Ao contrário: o foco reside precisamente no uso excessivo, na colonização e destruição dos bens comuns globais (os recursos naturais compartilhados da terra, tais como as águas profundas dos oceanos, a atmosfera, o espaço sideral). Os bens comuns locais são geridos por meio de espaços em que se pode desenvolver um novo conceito de coisa pública, enquanto apontam, simultaneamente, que existem alternativas – o uso comum no lugar da propriedade privada; a qualidade de vida local em vez do consumo controlado remotamente; e a cooperação no lugar do isolamento individual.
Os “bens comuns internos”
O foco no comunitário conferido pela jardinagem urbana não é somente uma defesa política do espaço público e do seu uso voltado para o bem comum. É também, ao mesmo tempo, uma reivindicação da consciência interna das pessoas e uma rejeição das atribuições do homo economicus, uma imagem da humanidade que nos reduz a indivíduos direcionados à competição, cuja atenção está voltada exclusivamente para o proveito próprio. Esse modelo simplista tem sido criticado já há algum tempo, mesmo no próprio campo da economia. Até as neurociências sociais confirmaram que a vontade das pessoas de cooperar e sua necessidade de ligação com outras pessoas são elementos centrais da natureza humana.
Para quem é da área de humanas, isso certamente não é nenhuma novidade. Ainda assim, é bom saber que há evidências científicas substanciais que demonstram que a existência de uma divisão entre mente e corpo – divisão essa comumente utilizada para justificar a dominação hegemônica – é artificial e que as inter-relações entre corpo e mente são altamente complexas. Sabemos, hoje, por exemplo, que experiências sociais e psicológicas deixam marcas físicas – até mesmo em nossos genes, como demonstrado pela epigenética. O biologista molecular Joachim Bauer considera essa descoberta como o avanço decisivo no que diz respeito a nossos conceitos de humanidade.
Isso traz duas consequências para o assunto em questão. Por um lado, uma prática de acesso comum, tal qual a jardinagem comunitária, possibilita ao jardineiro descobrir seu próprio corpo e despertar-se para a experiência de ter duas mãos e ser capaz de criar coisas e objetos com elas. Essas experiências sensoriais estão diretamente conectadas com a compreensão de mundo das pessoas. Por outro lado, o jardim ou horta é o local ideal para o aprendizado da cooperação. Ao se projetar um sistema de captação de água da chuva para os canteiros, por exemplo, revela-se um aspecto de ser humano – a conectividade – que é tão importante quanto a experiência da autonomia.
Nesse sentido, o acesso comum é uma prática de vida que permite mesmo aos sujeitos altamente individualizados do século XXI voltarem sua atenção para o outro e, de forma não menos significativa, diminuírem o ritmo de suas vidas. Afinal, o tempo também é um recurso a ser pensado dentro da comunidade. Experienciar o tempo significa poder realizar uma atividade como bem se entende, desfrutando do momento ou passando esse tempo com outras pessoas. Por meio da aceleração do tempo a um nível extremo, o capitalismo digital submeteu praticamente todos a um regime de eficiência cujo resultado é uma percepção do tempo determinada pela escassez e pela estressante necessidade de preencher o tempo com o máximo possível de utilidades. O tempo é “poupado”, horas de lazer são vistas com desconfiança e as fronteiras entre o trabalho e o tempo livre estão se tornando cada vez mais indistintas.
A horta é um antídoto que pode ser usado como um refúgio para o “eu exausto”, como descrito pelo sociólogo francês Alain Ehrenberg. A jardinagem diminui o ritmo das coisas e possibilita experiências com ciclos temporais de uma época diferente da história humana – a da sociedade agrária. A agricultura em pequena escala, que está sendo redescoberta em muitos jardins urbanos, é cíclica. Todos os anos, o ciclo começa novamente com a preparação do solo e o plantio das sementes. As pessoas que participam da lavoura estão expostas à natureza, às condições climáticas, às estações e aos ciclos do dia e da noite. Para os habitantes da cidade, cujas vidas virtuais ensinam que tudo sempre é possível ao mesmo tempo e, principalmente, que tudo pode ser controlado em qualquer momento, essas outras dimensões do tempo podem ser muito fascinantes. A jardinagem permite perceber que nós também estamos integrados em ciclos de vida e que “entregar-se” pode ter um efeito apaziguador.
E, pode-se acrescentar, trata-se de um avanço inestimável na construção da possibilidade de transformação de uma sociedade industrial baseada na exploração de petróleo e outros recursos em uma sociedade guiada pelas premissas da participação democrática, que não mais “vive” da exteriorização dos custos, mas, antes de qualquer coisa e na medida do possível, evita criá-los.
Produção de subsistência na cidade
Produção de subsistência na cidade – à primeira vista, essa combinação de conceitos parece contraditória. As grandes cidades, caracterizadas pelo sociólogo Georg Simmel por abrigarem relações entre “estranhos que se encontram de maneira distante e indiferente no espaço público”, são consideradas o exato oposto das regiões rurais, onde as pessoas se conhecem e são próximas, quiçá economicamente dependentes umas das outras. Na clara distinção dicotômica entre a “era moderna” e a “tradição”, quaisquer zonas transitórias entre esses dois polos de organização da sociedade são consideradas como partes do passado. Em suma, a produção de subsistência pertence ao campo e não tem espaço nas metrópoles modernas.
No entanto, será que essa posição teórica de modernização reflete a realidade? Hoje, as humanidades estão, cada vez mais, reivindicando que a era moderna seja entendida como uma espécie de período cumulativo, um período no qual épocas precedentes não estão, em hipótese alguma, superadas, mas ainda vivem firmes e fortes. Hartmut Böhme resume essa posição da seguinte forma: “Embora a era moderna veja a si mesma como o oposto de toda a história (caso contrário, não seria moderna), mais que qualquer outra época, a modernidade incorpora o presente de todos os tempos (caso contrário, não existiria)”.
Recentemente, sociólogos urbanistas até começaram a afirmar que a história da urbanização está chegando ao fim – agora, veem apenas cidades em todos os lugares do mundo. Fala-se, por exemplo, sobre a “transnacionalização da vida urbana”. Apesar da inquietação que a noção de uma urbanização total desperta, um entendimento mais aprofundado dos processos de urbanização pode identificar, no espectro das tendências sociais, fenômenos aparentemente opostos. Nesse espectro mais amplo estaria a produção de subsistência urbana, por exemplo. A realidade social também mostra que a frequente e desdenhosa destituição das atividades econômicas de subsistência como uma negação do passado parece agora, ela mesma, uma coisa do passado. Atividades de subsistência tais como a microagricultura – inclusive nas cidades – estão se tornando uma questão de estilo de vida para um grupo jovem e urbano para o qual a autonomia não é somente um princípio político, mas algo que deve ser vivenciado materialmente.
Outro aspecto da produção de subsistência urbana é sua função como recurso de abastecimento baseado na autoajuda e no empoderamento. Em muitas cidades do mundo, a produção de subsistência urbana precisa assumir funções de abastecimento que o Estado em falência e o mercado – muitas vezes também em falência – não conseguem realizar. Isso é demonstrado por milhares de huertas comunitárias que surgiram em uma Buenos Aires arrasada pela crise e por centenas de jardins comunitários plantados em Nova Iorque ou Toronto. Para os desfavorecidos urbanos – nas metrópoles do Sul e também do Norte –, a jardinagem localizada próximo de casa também oferece uma oportunidade de obter comida de ótima qualidade. Em grandes cidades do Sul, como Nairobi ou Havana, uma porção considerável dos alimentos essenciais é cultivada na área urbana – para consumo doméstico e especificamente para abastecer mercados locais.
As novas tendências
Agropolis é o título do projeto de planejamento de um grupo de arquitetos de Munique, que ganhou o concurso Open Scale com uma “estratégia de alimentos metropolitana” em 2009. O conceito de um “bairro urbano de colheita” coloca o cultivo do próprio alimento, a valorização dos recursos regionais e a gestão sustentável de terras no centro do planejamento urbano. Colheitas estão se tornando uma parte notória da vida urbana cotidiana. Se a cidade implementar o modelo, os frutos dos terrenos comuns e das instituições comunitárias que trocam, armazenam e processam a colheita podem criar a base de uma produção colaborativa desenvolvida pelos 20.000 habitantes do novo bairro.
O Jardim de Cidadãos Laskerwiese é um parque público gerido pelos próprios cidadãos. No distrito de Friedrichshain-Kreuzberg, em Berlim, um grupo de 35 moradores locais transformou o que outrora era um depósito de lixo e terrenos abandonados em um parque. Eles assinaram um contrato com as autoridades do distrito acordando que a associação de cidadãos ficaria responsável por alguns serviços, como cuidar das árvores e dos gramados no local. Em contrapartida, a associação pode usar gratuitamente porções de terra e canteiros para o cultivo de vegetais. Esses novos modelos, que ajudam municipalidades com baixos orçamentos, arcam com parte de seus encargos financeiros e aumentam as oportunidades para que as pessoas organizem espaços públicos, requerem tempo e esforço de comunicação por parte dos dois lados.
O Allmende-Kontor (em tradução livre, algo como Escritório dos Terrenos Comuns) é uma iniciativa do movimento de jardinagem urbana de Berlim que tem cuidado, juntamente com moradores locais, de hortas e jardins comunitários no espaço do antigo aeroporto Berlin-Tempelhof desde 2011. Vários tipos de canteiros suspensos estão sendo desenvolvidos em uma área de 5.000 m². O Allmende-Kontor considera-se como um jardim para todos – e, ao mesmo tempo, como um espaço para reunir conhecimento, para aprender e para aconselhar-se e fazer contatos. A criação de um reservatório de ferramentas de jardinagem e a implementação de um banco de sementes disponíveis para acesso irrestrito também estão sendo planejadas.
Ademais, na Alemanha, os chamados jardins e hortas interculturais têm causado furor desde meados dos anos 1990. Esses espaços sociais, novidade no projeto paisagístico alemão, não servem apenas a propósitos de lazer urbano e de abastecimento de frutas e vegetais orgânicos, mas também buscam, deliberadamente, um outro objetivo: comunicação intercultural e integração baseadas numa abordagem direcionada aos recursos.
Em 1995, refugiados bósnios encontravam-se presos em Göttingen, esperando pelo fim da guerra em seu país de origem. Entre eles, mulheres que não estavam habituadas ao ócio e sentiam falta de seus grandes jardins e hortas. Juntamente com o engenheiro agrário etíope Shimeles, e mesmo estando no exílio, essas pessoas partiram em busca de terras adequadas ao cultivo. Esse foi o começo de uma história de sucesso. A Rede Intercultural de Jardins, coordenada pela Stiftung Interkultur (Fundação Intercultural), atualmente reúne mais de 60 projetos de jardins como esse na Alemanha e aproximadamente o mesmo número está em processo de desenvolvimento.
Jardins e hortas interculturais congregam alemães e imigrantes – muitos destes últimos, antigos refugiados – de todos os estratos sociais para cultivar frutos e vegetais, trocar sementes e receitas, construir pequenas casas comunitárias de madeira e fornos de barro, cozinhar, organizar churrascos e celebrar. As mulheres são mais presentes do que os homens nos jardins e hortas interculturais. Como a jardinagem é uma atividade predominantemente feminina em muitas partes do mundo, é mais comum que as mulheres assumam a responsabilidade pelo trabalho e pela socialização. Muitas mulheres podem, assim, desenvolver sua autoconfiança. Além disso, a jardinagem as ajuda, frequentemente, a passar de maneira mais fortalecida por situações de conflitos familiares e a lidar com o rápido desenvolvimento da sociedade, que a maioria enfrenta de forma intensa no consumo dos meios de comunicação por parte de seus filhos.
Em muitos projetos, as crianças têm seus próprios canteiros de vegetais e flores. Elas aprendem a negociar e a compartilhar a terra, a compreender as interações complexas entre os animais, as plantas e os seres humanos, e também observam os processos da natureza e participam de excursões à floresta, a fazendas e a instalações ambientais. Nos jardins e hortas interculturais, as atividades infantis, assim como aquelas dos adultos, são baseadas na iniciativa pessoal e na integração entre o conhecimento das crianças e os novos campos de experiência.
Ainda bem pequenas, as crianças aprendem a diferença entre artigos caseiros e comprados, entre vegetais orgânicos de alta qualidade e produtos de supermercado importados de lugares longínquos. Elas vivenciam o significado do preparo de refeições em um espaço público, escutam histórias sobre abobrinhas e beldroegas, grãos-de-bico e hortelãs, bem como contos sobre a infância e canções vindas dos países de origem de muitos ali, países que florescem novamente por um breve momento nos jardins e hortas.
Relação com os outros
A precariedade crescente dos empregos formais na Europa vem acompanhada por uma tendência aparentemente oposta: até agora pouco notados, os universos da vida e do trabalho informais – que sempre existiram juntamente com os mercados formais de trabalho e produtos – estão se tornando cada vez mais importantes para a formação da identidade e para processos de inclusão social. Tais processos tendem a afetar gradativamente não apenas imigrantes, mas uma porção crescente da população que, embora “nativa”, encontra-se, constantemente, à beira da exclusão.
No caso dos jardins e hortas, é primeiramente o solo que precisa ser aerado, remexido e semeado. Mas a comunidade social heterogênea que se reúne no terreno e também a comunidade do bairro no qual o jardim ou a horta estão inseridos precisam ganhar corpo e vitalidade. Esse desenvolvimento centrífugo no tempo e no espaço promove a integração no sentido literal do termo. Os participantes negociam sua realidade uns com os outros e apropriam-se das novas situações que surgem no processo. Recursos em forma de conhecimento tácito, competência social e vontade de aprender ganham um novo lugar e são modificados no momento em que se conectam a novas circunstâncias. Isso significa que aprender com o passado, com o que foi deixado para trás, é condição para a diferenciação social por meio da integração.
Trata-se de encontrar novos caminhos para a formação da identidade e de negociá-la com os outros em um processo sutil de comunicação. Talvez seja exatamente por essa razão que modelos como os dos jardins e hortas interculturais são interessantes não somente para pessoas com experiência agrícola. Pelo contrário, eles atraem ambos: antigos agricultores e intelectuais urbanos. Esses jardins e hortas são lugares nos quais diferentes línguas, classes e inclinações políticas se encontram. A diversidade não pode ser reduzida a diferenças étnicas, e os conflitos são inevitáveis. A tarefa mais difícil com a qual se deparam projetos desse tipo é descobrir compartilhamentos e espaços comuns. Por essa razão, nenhum jardim ou horta acontece de “maneira espontânea”. Pessoas “colocadas juntas” de forma artificial não convivem bem facilmente. No entanto, a estrutura facilita um plano ambicioso: dar forma a um pedaço de terra conjuntamente, observar algo próprio crescer e comparar com os outros, trocar opiniões sobre o crescimento das plantas e sobre sucessos e fracassos – essas são as grandes e pequenas oportunidades que um jardim oferece.
Christa Müller
Socióloga e escritora. Há muito tempo vem pesquisando subsistência urbana e rural. Seu livro mais recente se chama Urban Gardening: About the Return of Gardens into the City.
Inga Kerber
Fotógrafa alemã, vive e trabalha em Leipzig.
Como citar
MÜLLER, Christa. Plante você mesmo. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, n. 9, p. 112-119, set. 2016.
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Texto de John Pucher e Ralph Buehler
Amsterdam Traffic, fotografias de Hans van der Meer