VENDEDORES
AMBULANTES
Publicado no jornal Correio da Manhã em 20 de janeiro de 1960
Vendedores ambulantes: uma tradição que desaparece da Cidade Maravilhosa. Substituídos pelos sofisticados camelôs, os vendedores ambulantes, toda uma gama de tipos populares, estão cada dia se afastando mais do centro da cidade, expulsos pelo progresso. Nos subúrbios, e mesmo em alguns bairros, esses vendedores ainda nos fazem recordar, com seus pregões, o nosso tempo de calças curtas.
Vassoureiro, garrafeiro, sorveteiro, funileiro, o homem do periquito e tantos outros faziam e ainda fazem de sua profissão a alegria de muita gente. Os seus pregões, suas melodias de vendas, eram e são tão simples como eles, mas seu efeito publicitário persiste por muito: quem não sente desejo de comprar sorvete ao ouvir um dos remanescentes sorveteiros a anunciar em versos de pé quebrado o “geladinho” de coco e de abacaxi?
Até o final da segunda guerra, os vendedores ambulantes dominavam a Cidade Maravilhosa. Era o homem que comprava garrafas e jornais, o que vendia vassouras, o que consertava panelas, o que, com o seu periquito verde, vendia a sorte para as mocinhas desejosas de encontrar príncipes encantados. Havia sempre quem fosse à sua porta para vender ou comprar alguma coisa. Mas os tempos passaram-se. O progresso caminhou mais rápido que a tradição e foi aos poucos expulsando esses tipos. Muitos se retiraram para os bairros e subúrbios mais longínquos, onde até hoje se podem ouvir os seus pregões; outros preferiram se estabelecer.
Nacionalidades
A nacionalidade também influi na especialidade. Peixeiro, por exemplo, só italiano; garrafeiro só português; sorveteiro, um nacional, um baiano que saiba preparar bem um sorvete de coco. É interessante observar como ainda hoje se mantêm certas tradições de nacionalidades entre os vendedores ambulantes. O amolador de facas, que empurra o cavalete com a pedra de amolar, é sempre um italiano; o jornaleiro também. Os portugueses preferem atividades como vender frutas e legumes, gelo, flores e plantas.
Os judeus dão preferência ao comércio de venda e compra de roupas. Quem ainda não ouviu o clássico pregão do homem que compra tudo? Esse ramo pertence, sem dúvida alguma, aos judeus. E ninguém tenta roubar-lhes o campo. Mesmo porque não se saberia a difícil arte de comprar sapatos velhos para depois vendê-los. Mas ninguém que não fosse brasileiro teria a ousadia de vender quitutes baianos, sorvetes ou amendoim torrado. Portanto, na questão de comércio ambulante não há perigo de concorrência. Há lugar para todos, desde que o “rapa” permita.
Pregões
Os pregões dos vendedores ambulantes são outra faceta da tradição. Mesmo sem conhecer o português, muitos foram vendedores ambulantes que nos legaram belíssimos pregões que fariam inveja a muitos criadores de jingles. Quem não se lembra dos vendedores de laranjas, quando se vendia a fruta ao cento por cinco ou dez mil réis? O caminhão, transbordando de laranjas, parava numa esquina. O vendedor, em plenos pulmões, anunciava a sua presença: “Olha a laranja, dona Teresa, traga a sacola, pois vou embora”. Na verdade, não havia rima, entretanto, o vendedor sabia dar ritmo, sabia musicar os seus jingles.
Nas músicas de Carnaval
Os vendedores ambulantes também já serviram de tema a muitas músicas de Carnaval. Por volta de 1937 ou 1938, Dircinha Batista gravou uma marchinha que foi grande sucesso: “O periquitinho verde”. Não há dúvida de que era uma homenagem ao homem do realejo que, depois de tocar alguma música velha, abria a gaiola do periquito (algumas vezes papagaio), sob a qual havia uma gaveta com papéis dobrados. Em troca de um pagamento, o homem do realejo batia com o dedo na cabeça do pássaro e esse, mais do que rápido, tirava a sorte. Era o homem que vendia um pouco de sonho. Hoje ainda existem alguns, espalhados pelo grande Rio de Janeiro.
O progresso
Mas o progresso é, realmente, o grande inimigo dos vendedores ambulantes, pior ainda do que a fiscalização (o rapa). O geleiro, por exemplo, que antes passeava pela cidade com a sua bicicleta, já não tem muito o que fazer – as geladeiras elétricas estão lhe tirando o pão de cada dia. Os sorveteiros não podem concorrer com os da carrocinha. A matéria plástica suplantou o artesanato de flores de papel crepom e os vendedores não encontram mais com facilidade compradores para as suas mercadorias. E assim, aos poucos, vão cedendo o seu lugar. Mas, para quem os ouviu e viu, ficou a grata lembrança de seu tipo, de seu pregão.
O Correio da Manhã foi criado no Rio de Janeiro em 1901 e publicado até 1974. Desde 2010, pode-se consultar uma coleção de originais do jornal no Arquivo Público de São Paulo.