BOLETIM DA
LAMA TÓXICA
Edição 1: 05 a 13 de novembro de 2015
Francisca Caporali e Roberto Andrés
Boletim semanal sobre o dia a dia da lama tóxica que arrasou uma cidade e destruiu um rio. Apanhado das tragédias, dos impactos sociais e ambientais, das posturas dos governantes e da imprensa. Para que a lama não seja esquecida amanhã, frente à tragédia da vez.
Em 05 de novembro de 2015, uma barragem de rejeitos da SAMARCO, companhia controlada pelas duas maiores mineradoras do mundo, VALE a BHP, rompeu na região de Mariana, em Minas Gerais.
A lama formada pelo rejeito de mineração é altamente tóxica e aniquilou, em poucas horas, o distrito de Bento Rodrigues. O rompimento destruiu 158 das 180 casas do vilarejo. O número de desabrigados chega a 632 pessoas. Nove mortes foram confirmadas e 19 pessoas ainda estão desaparecidas.
62 milhões de toneladas é o equivalente a um cubo da altura da Torre Eiffel. Esse é o volume de lama tóxica que arrasou Bento Rodrigues e seguiu para o Rio Doce, cujo curso representa a principal bacia hidrográfica totalmente incluída na região Sudeste.
Os impostos pagos pela Samarco para a cidade de Mariana não chegaram, em 2014, a 0.7% dos lucros distribuídos para os acionistas da empresa.
Imediatamente após a tragédia, a Polícia Militar cercou a área e impediu população, jornalistas e ativistas de entrar em Bento Rodrigues. Enquanto isso, os funcionários da Samarco, empresa causadora do acidente, podiam circular livremente.
No mesmo dia do ocorrido, o secretário de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, Altamir Rôso, classificou a Samarco como vítima do rompimento de sua barragem.
O Governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, deu uma coletiva de imprensa dentro da sede da Samarco e disse que “a empresa está cuidando do que é responsabilidade dela”.
O Senador Aécio Neves visitou Mariana, cobrou “esclarecimentos sobre o acidente” mas não mencionou os últimos doze anos em que seu partido esteve no governo do Estado, responsável pelo fornecimento de licenças e fiscalização da mineração.
Em seu site, a Samarco afirmou em nota que a lama não era tóxica. No entanto a trezentos quilômetros de Bento Rodrigues, o Rio Doce já apresentava índices concentração de metais até 1.300.000% acima do normal.
Cinco dias após a tragédia, diversos institutos e pesquisadores constataram a morte do Rio Doce, que pode demorar décadas ou até séculos para se recuperar.
Com os níveis de oxigênio próximos a zero, o Rio Doce assiste a morte de milhares de peixes. Um grupo de pescadores organiza mutirões para tentar transferir os peixes do rio contaminado para lagoas. A operação, convocada em grupos de WhatsApp, foi denominada “Arca de Noé”.
Centenas de cientistas brasileiros se articulam através de um grupo fechado do Facebook para criar um Relatório Independente do impacto. Muitos deles já se deslocaram voluntariamente à área atingida para coleta de dados e amostras.
O grupo inicia uma campanha de financiamento coletivo para a elaboração dos resultados, que no terceiro dia, já alcança 72% da meta a ser arrecada.
Governador Valadares, cidade de mais de 270.000 habitantes, cuja água é servida pelo Rio Doce, tem de interromper a utilização da água do rio. Na sexta-feira 13, 5.000 pessoas enfrentaram fila para conseguir água potável.
Dos 300 caminhões pipa necessários para atender à cidade, a Samarco disponibilizou apenas 39. A primeira remessa de água enviada pela VALE para Governador Valadares chegou contaminada por querosene e, se utilizada, poderia envenenar a população. No dia 12, moradores da cidade bloquearam, com pneus em chamas, a linha férrea operada pela Vale.
Seguindo pelo Rio Doce, a lama se aproxima do Espírito Santo. O prefeito de Baixo Guandu, Neto Barros (PCdoB) também bloqueou a estrada de ferro da Vale com máquinas da Prefeitura. Algumas horas depois, a justiça, que em alguns casos falha mas não tarda, exigiu que as máquinas fossem retiradas da ferrovia.
A Presidente Dilma Roussef visitou Bento Rodrigues uma semana após o ocorrido. Divulgou a multa de R$ 250 milhões para a Samarco e, em entrevista coletiva, afirmou que em um país continental tem “muito desastre natural”.
A Samarco, conforme Art.113 do Decreto Federal 6.514/2008, tem 30% de desconto para pagar multa a vista, podendo deixar de pagar R$ 75 milhões de reais. A multa, antes do desconto, já equivalia a somente 32 dias de lucro da empresa.
Segundo divulgou o ambientalista Wallace Lopes, em sua página de Facebook, a lei que define o valor máximo das multas por infrações ambientais é de 1998, Art. 75 da lei 9.605/1998. E desde sua criação, está congelado no valor máximo de 50 milhões. Foram lavradas 5 multas diferentes no valor máximo permitido pela legislação.
Além da multa aplicada, a Samarco poderá ter de restituir a sociedade em valor que pode chegar a R$ 10 bilhões, a partir de ação do Ministério Público ou Termo de Ajuste de Conduta. Nos Estados Unidos, a petroleira PB pagou multa de U$ 20 bilhões (cerca de R$ 76 bilhões) pela explosão de uma plataforma de petróleo no Golfo do México, em 2010.
No fim de semana seguinte ao rompimento da barragem, ocorreram atentados em Paris e Beirut, jogando os holofotes para o cenário internacional. As notícias sobre o crime da Samarco desaparecem da página de entrada da maioria dos veículos nacionais.
No dia 13 de novembro de 2015, uma semana após o rompimento da barragem, enquanto a lama avança rumo ao Espírito Santo e às unidades de conservação de espécies marinhas, o Palácio do Planalto, em Brasília, o Cristo Redentor e o Maracanã receberam iluminação especial em vermelho, azul e branco, em homenagem à tragédia na França.
Francisca Caporali
Artista e idealizadora do JA.CA
Roberto Andrés
Um dos fundadores da PISEAGRAMA, foi editor da revista de 2010 a 2020.
Como citar
ANDRÉS, Roberto; CAPORALI, Francisca; LOBATO, Paula; REGALDO, Fernanda. Boletim da lama tóxica n.2. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, seção Extra! [conteúdo exclusivo online], 16 nov. 2015.