O PROGRESSO AVANÇA
PELO ASFALTO
Texto de Roberto Andrés
O progresso avança pelo asfalto, imagens de Paulo Marcelo Oz e Roberto Andrés
E se Paris, esta cidade tão tomada como ponto irradiador de tendências, adotasse o nosso modelo urbanístico? Derrubariam edifícios históricos, alargariam ruas do Marais, construíriam prédios burocráticos na floresta de Vincennes, cobririam o Sena com pistas de tráfego – dando a tudo o nome um tanto cínico de revitalização? Artigo publicado originalmente na revista Piauí, em 2009.
Foi-se o tempo em que a imagem do Brasil no exterior era associada a futebol, favelas, lambança, tiroteios e turismo sexual. O país progrediu, distribuiu renda, deixou o estágio degradante de produtor de matéria-prima e hoje é uma referência no combate à dengue e aos desdentados, exportando tecnologia, sandálias e pré-sal sem perder a malemolência.
Mesmo na Europa, onde o peso nefasto da tradição costuma atravancar o avanço civilizatório, perceberam-se as vantagens da pavimentação fluvial. Paris, Londres, Roma, Veneza e Amsterdã renderam-se ao modelo brasileiro e hoje estão mais limpas e fluidas. As metrópoles de referência evitaram dispendiosos tratamentos dos rios e ampliaram a infraestrutura viária para atender ao aumento constante da frota de veículos – cerca de 900 carros são emplacados por dia em Londres e 600 em Paris. Vale lembrar que políticas de redução de impostos sobre automóveis, em boa hora implantadas com consultoria da equipe econômica do governo Lula, salvaram a grande indústria e garantiram a normalidade das vendas em diversos países europeus.
Os eternos insatisfeitos de Paris, cidade de protestos e revoluções sanguinolentas, não aceitaram passivamente o avanço. Brandindo o surrado argumento passadista da “importância natural, simbólica e de lazer” do Sena, um grupo de manifestantes desenhou peixes sobre as novas pistas. Em texto divulgado na internet, os neoluditas atacaram: “Falta imaginação aos governantes, que poderiam investir em transporte público, sistemas de bicicletas e veículos compartilhados. O rio limpo se tornaria um atrativo turístico, com barcos, locais para caminhadas e piqueniques.”
Para além dos idealismos bucólicos, vê-se que os grandes centros urbanos possuem dinâmicas complexas que demandam soluções arrojadas como as que aqui se apresentam. As novas cidades oferecem ao cidadão conforto, higiene, segurança e privacidade – tudo dentro de seu carro novo. O leitor verá em cada imagem das próximas páginas resíduos da modernidade contemporânea brasileira, e, sentindo o cheiro de asfalto, desenvolvimento, ordem, progresso e gás carbônico, dificilmente conterá o orgulho e a vibração cívica.
Roberto Andrés
Um dos fundadores da PISEAGRAMA, foi editor da revista de 2010 a 2020.
Como citar
ANDRÉS, Roberto. O progresso avança pelo asfalto. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, seção Extra! [https://piseagrama.org/o-progresso-avanca-pelo-asfalto], 03 ago. 2016.