LADRÕES &
VISCONDES
Texto de Roberto Andrés
Romance policial, cartazes de Vitor Cesar
Para combater a corrupção, talvez nos reste atuarmos em busca da construção de culturas de confiança e encontrar maneiras cooperativas de estar com os outros e intervir no mundo. Se de nada adiantar, ao menos seremos mais felizes.
“Acabar com a corrupção é o objetivo supremo de quem ainda não chegou ao poder”, disse certa vez Millôr Fernandes, o mesmo que em outra ocasião constatou que “os corruptos são encontrados em várias partes do mundo, quase todas no Brasil”. Essas duas tiradas vêm da extensa lida de Millôr com aforismos na segunda metade do século passado, mas soam bastante atuais. Quantos hoje não pensam que a corrupção é uma erva daninha implacável e que o Brasil é seu campo fértil?
Cerca de 80% da população brasileira considera que a corrupção aumentou nos doze meses antecedentes, segundo o Barômetro Global da Corrupção, pesquisa realizada pela Transparência Internacional entre maio e junho de 2016. Em outra pesquisa, realizada pelo Instituto Datafolha em 2017, a corrupção é a maior preocupação do país, à frente da violência e da pobreza.
Se a primeira assertiva de Millôr tem se mostrado verdadeira, a segunda é um tanto hiperbólica. No índice global de corrupção, realizado também pela Transparência Internacional, o Brasil ocupa, entre 176 países, a 79ª posição, ao lado de Índia, China e Belarus. Estamos à frente de Peru, Bolívia, Argentina e México, mas nosso sentimento é de fundo do poço. Assistimos perplexos à avalanche em câmera lenta de denúncias de corrupção, expostas em delações premiadas, apartamentos recheados de dinheiro, fugas com malas milionárias e entregas de propina em desafios poliatléticos de preenchimento dos bolsos do paletó.
Envoltos em uma sina diária de indignação e imobilismo, parecemos incapazes de articular outras perspectivas para o debate. Afinal, onde está a origem da cultura de corrupção que nos lega tantas situações deploráveis? Haveria alguma maneira efetiva, já testada alhures, de reduzir as práticas de apropriação privada de bens públicos? Para responder a essas questões, não bastam frases espirituosas.
O cientista político Eric Uslaner tem produzido uma série de artigos e livros em que compila grande quantidade de informações sobre o assunto. Ele compara índices sociais e econômicos de diversos países, por longos períodos, visando a estabelecer modelos que expliquem as causas e os efeitos da corrupção.
O resultado é uma relação intrincada entre corrupção, confiança e desigualdade. Essa é uma abordagem rara, resultado de pesquisas comparativas, e que desafia o foco institucional da visão mais comum. “As raízes da corrupção são em grande parte não institucionais: derivam da desigualdade econômica e de uma cultura de pouca confiança, esta decorrente de uma distribuição desigual de riqueza”, defende Uslaner.
Seguindo seu argumento, confiança e corrupção estão em polos opostos na escala de valores. A confiança está na ponta de um espírito de cooperativismo, enquanto a corrupção expressa uma cultura individualista. Sociedades com mais confiança e menos corrupção teriam, segundo suas pesquisas, governos melhores, mais crescimento econômico, redistribuição de renda e respeito a leis. Ainda nessa linha, no campo individual, pessoas que acreditam que, em geral, as outras são confiáveis, tendem a ter uma visão mais positiva das instituições, a participar mais da vida política e de organizações sociais. Não é difícil ver aí um ciclo positivo, em que confiança leva a mais participação e controle social do Estado.
Por outro lado, a desigualdade é uma das principais geradoras de desconfiança. Quanto mais bem distribuídos forem os recursos de uma sociedade, mais ela tenderá a ter difundida a crença de que as pessoas compartilham de um projeto comum. Quanto mais desigual for a distribuição de recursos, menores serão a coesão social e a confiança. A desigualdade geraria, portanto, desconfiança, que por sua vez levaria à corrupção. Como a corrupção tira recursos do Estado, que poderiam ser investidos em redução da desigualdade, cria-se aí um círculo vicioso que Uslaner chama de “armadilha da desigualdade”.
O círculo se retroalimenta: governantes corruptos reduzem ainda mais a confiança da sociedade. A partir do momento em que a percepção de corrupção cresce, “as pessoas começam a acreditar que a desonestidade é a única maneira de se dar bem”, aponta o autor.
Em pouco mais de uma década, o número de operações da Polícia Federal cresceu quase 3.000%: saltou de dezoito, no ano de 2003, para 550 em 2016. Ao todo, foram mais de 3.500 nesses catorze anos, o que significa praticamente uma operação com título publicitário criada a cada dia útil.
Da pioneira Arca de Noé, que mirava o jogo do bicho no Mato Grosso, até a recente Cosa Nostra, cuja referência à máfia siciliana pouco se relaciona com o combate a empresas laranja no agreste pernambucano, surgiu uma infinidade de nomes como Delicti, Ferradura, Durkheim, Índio Dragão, Hiena, Las Vegas, Malhado, Osso Rico, Placebo, Sentinela, Sintonia, Providência, Evidência, Vidência…
A mais conhecida é, de longe, a Lava Jato. Nascida no contexto da apuração do uso de postos de combustíveis e lava a jato de automóveis para movimentar dinheiro de origem ilícita, não é exagerado dizer que a força-tarefa tornou-se a maior investigação de corrupção da história do Brasil. Seu nome, presente em placas mais ou menos improvisadas em cada esquina deste país apaixonado por lavar carros, colou.
Seus números são exibidos em letras garrafais em um infográfico no site do Ministério Público Federal: 881 mandados de busca e apreensão, 222 conduções coercitivas, 111 prisões temporárias; 67 acusações criminais contra 282 pessoas; cerca de R$10 bilhões em busca de recuperação, R$756,9 milhões já recuperados e R$3,8 bilhões em bens de réus bloqueados. Isso somente na operação de Curitiba, até novembro de 2017.
Uma visão laudatória, presente em livros, filmes, reportagens e pronunciamentos, quer fazer crer que a força-tarefa “passará o Brasil a limpo”, no caminho de erradicar a corrupção do país. De outro lado, certo campo político acusa a Lava Jato de parcial e facciosa. Nessa visão, ela teria como único alvo o Partido dos Trabalhadores e trabalharia para interesses americanos.
Entre os dois polos da gangorra talvez esteja a operação real. Ou, como apontou Marcos Nobre, as muitas instâncias e visões que coexistem dentro da mesma operação, “que vão se acotovelando e ditando o rumo” que ela toma. De todo modo, o foco recente da Lava Jato em atores centrais do governo de Michel Temer deu evidência à hipótese de que a operação teria como estratégia desestabilizar o centro do poder a fim de poder avançar.
Para Uslaner, os desenhos institucionais influenciam menos os índices de corrupção, mas foram as transformações ocorridas em instituições como a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e a Controladoria Geral da União, além de mudanças legislativas, que permitiram que, pela primeira vez na história do país, políticos e empreiteiros graúdos passassem longos períodos na cadeia.
É o que mostra o professor da Fundação Getúlio Vargas, Sérgio Praça, em um livro recente que faz uma análise interessante da corrupção no Brasil. Ele demonstra, por exemplo, como a instituição do Bolsa Família como política de Estado, não controlada por políticos locais, contribuiu para reduzir práticas de compras de votos em troca de programas de assistência em tantos rincões do país.
O autor aponta também a razão da magnitude dos esquemas de corrupção na Petrobras: a Lei do Petróleo, de 1997, que permitiu à estatal realizar procedimentos de licitação distintos do restante da administração pública. O decreto que regulamentou as licitações da companhia foi editado pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, no ano seguinte – permitindo a modalidade de contratação integrada (em que todas as etapas de uma obra podem ser realizadas por uma única empresa) e não estabelecendo limites objetivos para convites fechados (a Lei 8.666 diz que, a partir do valor de R$50 mil, entes públicos devem realizar processos licitatórios abertos).
O Tribunal de Contas da União questionou diversas vezes as formas de licitação da Petrobras. Ao não estabelecer limites para a modalidade “convite”, a companhia permite que contratações de alto valor sejam feitas selecionando-se os participantes de antemão. A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal, mas uma decisão do ministro Gilmar Mendes, em 2006, considerou correto o decreto de 1998. Hoje, depois de tantos escândalos, a Petrobras ainda faz suas licitações do mesmo jeito.
A quantidade e a ênfase midiática das operações da Polícia Federal têm algo de exagerado, mas é fato que a instituição ganhou em autonomia e capacidade nos últimos anos. Foi no início do governo Lula, com Márcio Thomaz Bastos à frente do Ministério da Justiça, que esse caminho se deu, com aumento do corpo efetivo, do número de delegados e dos salários. Não deixa de ser curioso que o fortalecimento da Polícia Federal tenha gerado a capacidade de atuação que investigou, denunciou e prendeu membros do governo que contribuiu para este movimento. O mesmo ocorre com o Ministério Público Federal, hoje muito mais atuante e autônomo do que no final da década de 1990, quando foi comandado por Geraldo Brindeiro, aquele cuja pouca combatividade lhe rendeu o apelido de Engavetador Geral da República.
Por isso é difícil afirmar, como acredita boa parte da população, que a corrupção no Brasil tem aumentado – as mensurações da Transparência Internacional indicam queda leve nas últimas duas décadas. A mudança recente parece ser que as instituições e a legislação têm funcionado um pouco melhor, e os crimes aparecem mais.
A história da Odebrecht ilustra essa tese. Quando os negócios escusos da empreiteira começaram a aparecer, no início dos anos 1990, o desfecho mais comum era a ‘pizza’. Um governador de Estado, Edmundo Pinto, foi assassinado na véspera de seu depoimento a uma CPI que investigava a Odebrecht. Dois rapazes acabaram confessando o crime, que teria sido de latrocínio. Dezoito caixas com planilhas indicando propinas a políticos foram apreendidas na casa de um dos diretores da empresa. A CPI foi desmoralizada e nenhuma empreiteira foi incriminada.
Esse era o clima de impunidade em um país onde a democracia engatinhava, mas o conluio entre Estado e construtoras vinha de muito antes – conforme conta o professor de história Pedro Campos, em sua tese de doutorado que foi recentemente publicada em livro. As grandes empreiteiras brasileiras, que tomaram dimensão nacional com a construção de Brasília, viveram nos anos de chumbo seus tempos de bonança. Próximas a governos ávidos por grandes obras, em um país sem imprensa livre e com frágeis mecanismos de fiscalização e controle, nadaram de braçada.
Desse período advém o grande poder político e econômico de empresas como Odebrecht, Andrade Gutierrez e Camargo Côrrea. Para se ter uma ideia, em 1978 as cinco maiores empreiteiras tinham o faturamento equivalente a 31,2% das 100 maiores do país. Em 1984, esse número chegou a 56%, graças à grande quantidade de barragens de hidrelétricas contratadas pelo governo com essas poucas companhias, à época apelidadas de “barrageiras”.
Conta a lenda que um importante ministro dos governos militares, Mario Henrique Simonsen, teria dentre suas frases espirituosas a seguinte: “No Brasil é melhor pagar os 10% de comissão para os corruptos e não tocar a obra, pois assim economizaríamos os outros 90%”.
Se a cultura de corrupção está baseada na falta de confiança social, cumpre dizer que este é um indicador que não nos dá motivo de orgulho. Nas últimas pesquisas do World Value Survey, apenas 7% dos brasileiros concordaram com a afirmação de que a maioria das pessoas é confiável. Menor confiança social encontra-se apenas em Trinidade e Tobago, Colômbia, Filipinas e Gana. Os outros 55 países pesquisados têm taxas de confiança acima da brasileira.
Na outra ponta, em que mais de 60% dos entrevistados acreditam que a maioria das pessoas é confiável, estão China, Holanda e Suécia. O ranking não avaliou a Dinamarca, que em uma pesquisa coordenada pelo professor Gert Tinggaard Svendsen atingiu 78% de confiança social. Svendsen apresenta esses dados no livro Trust, em que reflete sobre a posição econômica e social singular do país nórdico. A Dinamarca sempre desafiou o entendimento de economistas ao “permanecer entre os países mais ricos do mundo, apesar dos poucos recursos naturais, de um nível educacional moderado, de uma carga tributária alta e de uma política redistributiva forte, que poderia não estimular os esforços individuais”.
De fato, o país tem uma das maiores cargas tributárias do mundo: 49% do PIB dinamarquês volta para o governo e viabiliza o amplo sistema de bem-estar social do país. O raciocínio liberal diz que um país que não estimula a competitividade tende a contrair a economia. Para Svendsen, a chave do segredo Dinamarquês está na confiança social, conquistada por séculos de estabilidade política, redistribuição de riqueza e cooperação.
Hoje a Dinamarca é um país rico, mas é curioso pensar que há duzentos anos era uma nação arrasada por uma guerra contra os ingleses, empobrecida e desigual. Com o colapso generalizado, os dinamarqueses começaram a criar os próprios sistemas de seguridade social, resultando em uma série de associações cidadãs.
Uma anedota diz que, quando dois dinamarqueses se encontram, eles apertam as mãos. Já quando três dinamarqueses se encontram, eles formam uma associação. As iniciativas coletivas ganharam grande relevância no país a partir dos anos 1860, com um forte movimento de cooperativas, o que para o autor está nas origens da alta confiança social.
Outros pesquisadores endossam teses semelhantes. Um deles é o cientista político americano Robert Putnam, para quem o contato presencial rotineiro entre pessoas que compartilham de alguma associação coletiva gera confiança, o que tende a se espalhar para a sociedade. Sua perspectiva é de que a queda dos índices de confiança nos Estados Unidos no pós-guerra deve-se à redução dos encontros presenciais, em grande parte graças à adesão massiva ao hábito de assistir televisão.
Enquanto os nórdicos enfrentavam sua crise criando associações comunitárias, nos trópicos uma corte portuguesa corrupta instalava-se em um país violentamente escravocrata e desigual. Uma quadrinha que se tornou popular no Rio de Janeiro nesse período dizia: “Quem furta pouco é ladrão / quem furta muito é barão / quem mais furta e mais esconde / passa de barão a visconde”.
Os versos se referiam ao tesoureiro-mor do reinado carioca de Dom João VI, Francisco Bento Maria Targini, que fora agraciado com o título de Barão e, alguns anos depois, de Visconde de São Lourenço. Targini talvez fosse uma espécie de Eduardo Cunha do período – organizava mutretas, distribuía propinas e era premiado por passar a perna no governo para o qual trabalhava – mas certamente não era o único.
Seguir a trilha histórica da corrupção no país é adentrar um oceano de lama. Como já pontuava Sérgio Buarque de Holanda, em Raízes do Brasil, a obsessão pela riqueza fácil marca a colonização portuguesa nestas terras. Caio Prado Jr. deu substância a essa tese ao demonstrar o caráter espoliativo da colonização, em que o Brasil nada mais era do que a terra fértil de uma holding multinacional, controlada e voltada para fora.
Na verdade, a palavra corrupção é ociosa quando se trata do antigo regime. Nos primeiros trezentos anos de colonização, a confusão entre função pública e ganho privado era oficial – aquilo que Raimundo Faoro chamou de Estado Patrimonial. Para dar um exemplo, colocando em termos atuais: na gestão das capitanias hereditárias, os donatários das terras eram ao mesmo tempo governantes e concessionários, enriquecendo a partir da sua atuação em funções que seriam do Estado.
No século XIX, países europeus viveram o surgimento das novas repúblicas liberais, que traçaram demarcações mais claras entre Estado e ganhos particulares. Mas em Portugal as mudanças tardaram muito mais a acontecer. No Brasil, nem se fala. O Estado Patrimonial por aqui perdurou e ainda vive.
As oligarquias aqui sempre usurparam o Estado, seja por vias ilegais (corrupção, desvios), seja por vias legais, já que os oligarcas se fazem representar em parlamentos e governos e interferem nas leis. No Brasil, por exemplo, a distribuição regressiva da carga tributária – taxam-se muito os pobres e muito pouco os ricos – interessa a pouca gente, mas segue forte e intocada.
A sucessão de rupturas institucionais vividas no Brasil ao longo do século XX fez descambar ainda mais nosso já baixo capital social. Para Svendsen, um dos motivos da alta taxa de confiança na Dinamarca é a estabilidade institucional. Ele compara o país com a Polônia, que no século XIX também apresentava uma sociedade pulsante, com um forte movimento de associações e cooperativas.
A Dinamarca manteve sua estabilidade institucional por dois séculos. Já a Polônia foi tomada pelos Russos, invadida pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial e depois anexada à União Soviética. “A confiança desapareceu. Isso acontece quando seu vizinho de repente é preso e desaparece. Hoje a confiança social na Polônia é quatro vezes menor do que na Dinamarca”, coloca Svendsen. Há muitos motivos para que a baixa confiança social brasileira derive, ela também, da falta de confiança nas instituições, sempre corruptas, instáveis e favoráveis a poucos.
Escrevendo sobre o país que conheceu nas décadas de 1940 a 1960, o filósofo Vilém Flusser nota como é marcante na burguesia brasileira um tipo de dedicação ao trabalho que visa apenas ao lucro rápido e ao acúmulo – exemplificado, entre outras, pela postura de se aposentar em um emprego para passar a receber também em outro. Nas palavras do autor, trata-se aqui de conseguir “ter fortuna antes que a catástrofe chegue”, o que sintetiza muito bem a desconfiança com o projeto coletivo que deveria ser uma nação.
A essa altura, é um tanto evidente que o Brasil tem, ao contrário da Dinamarca, todos os ingredientes históricos para gerar uma sociedade desconfiada e corrupta, fazendo jus aos índices: alta desigualdade, muitas rupturas institucionais e um Estado que sempre funcionou para poucos.
Raros são os exemplos de países democráticos que tiveram redução significativa dos índices de corrupção nas últimas décadas. Por isso Eric Uslaner é pessimista quanto a mudanças de curto prazo: “erradicar a corrupção não é simples porque ela está baseada na má distribuição de recursos e em uma questão cultural (a confiança social)”, afirma.
Para ilustrar sua tese, Uslaner refere-se a estudos que demonstram que crianças adquirem confiança social com suas famílias e na escola, e a mantêm em nível estável pelo resto da vida. Faz sentido, embora características do contexto (rupturas institucionais, crises) possam alterar o quadro. De toda maneira, Svendsen traz um dado nessa linha: as maiores taxas de confiança social nos Estados Unidos são encontradas em filhos ou netos de nórdicos.
Como em todo problema difícil de resolver, há os que pensam diferente. Outra linha de argumentação, da qual participa o cientista político sueco Bo Rothstein, defende que a qualidade, a efetividade e a justiça do Estado seriam os principais geradores da cultura de confiança. Se os governos são geridos com transparência, a corrupção é controlada e a justiça funciona de maneira equitativa, as pessoas tendem a ser mais confiantes, honestas e cooperativas.
De todo modo, o último ponto é consenso entre os dois autores. A equidade da justiça é peça-chave para a confiança social e o respeito a leis. O problema é que uma das razões dos desvios das instituições de justiça é a alta desigualdade, que permite que alguns tenham mais força do que outros em julgamentos, o que nos leva de volta ao inabordável círculo vicioso.
Para Uslaner, “colocar políticos corruptos na cadeia (por mais que devamos fazê-lo) somente servirá para abrir espaço para outra elite corrupta”. Esse foi o melancólico desfecho de esforços recentes de combate à corrupção, como a Operação Mãos Limpas, na Itália. Modelo que inspirou a Lava Jato brasileira, a operação italiana acabou perdendo a queda de braço para a classe política, com a ascensão de Silvio Berlusconi ao poder. O passo seguinte foi o afrouxamento de leis e a Itália estancou a sangria.
No Brasil, vivemos um momento de muita punição, mas talvez não de menos corrupção. Essa é a percepção de Sérgio Praça, que critica o excesso de foco nas investigações em detrimento do controle e da transparência, estes últimos menos midiáticos.
Combater a corrupção não é moralismo. Afinal, ela corrói a confiança e a cooperação, estimula o “cada um por si” e reduz a capacidade redistributiva do Estado. Trata-se, ao fim das contas, de disputar uma sociedade mais justa e solidária. A questão parece ser se há caminho possível. E se, do ponto de vista individual, haveria algo a ser feito além de manifestar indignação com o escândalo da vez.
Não há resposta fácil. Trabalhar pela redução da pobreza e melhoria da educação é tarefa histórica na qual continuamos a patinar. Aperfeiçoar as instituições, tornar o Estado mais transparente e os agentes públicos mais investigáveis é obviamente importante, mas a elite política trabalha com afinco em um grande pacto nacional para barrar este caminho.
Ao final, resta atuarmos em nossas rotinas em busca da construção de culturas de confiança e encontrar maneiras cooperativas de estar com os outros e intervir no mundo. Deixar um pouco de lado o campo fértil de ódio e intolerância do Facebook, se associar a vizinhos, amigos, desconhecidos. Encontrar presencialmente, criar algum projeto comum, olhar no olho do outro.
Se de nada adiantar, ao menos seremos mais felizes. Como bem lembra Svendsen, “o cérebro libera ocitocina, um hormônio que gera bem-estar, quando cooperamos ou fazemos algum trabalho voluntário”.
Vitor Cesar
Artista e designer, mestre em Poéticas Visuais. Participou de exposições no Brasil e exterior. Atualmente orienta grupo de estudos na Escola Entrópica, Instituto Tomie Ohtake.
Como citar
ANDRÉS, Roberto. Ladrões & viscondes. PISEAGRAMA, Belo Horizonte, n. 11, p. 84-93, nov. 2017.